A vivência na sala de aula chamada beira do leito ensinou-me o valor da sensibilidade para bem captar e manejar pressuposições, condicionantes e indeterminações com o objetivo de selecionar as informações a serem prestadas ao paciente a fim de não induzir prejuízos a sua qualidade de vida- aquele efeito aterrorizante/paralisante/angustiante- e, ao mesmo tempo, criar responsabilidades, conscientizar o casal, no caso relatado, que a qualquer momento poderia eclodir sintoma de risco com precipitação da indicação de um procedimento intervencionista. No caso específico da estenose aórtica, evito, por exemplo, mencionar morte súbita na circunstância de conduta clínica observacional, pois julgo que seria iniciativa mais de defesa profissional do que de obrigatoriedade ética de esclarecimento ao leigo sobre decorrências da doença.
Ponto do discernimento na comunicação é explanar sobre o que se entende por verdadeiro para um coletivo análogo, mas que não significa que se conhece a exata verdade para aquela individualidade. Neste mister, é comum vir à tona ambiguidades, haver escapes de palavras sem sentido, acontecer pulos de raciocínio e surgirem construções emboladas de frases que, no conjunto, podem gerar má compreensão e expectativas indevidas por parte do paciente. Lacunas costumam ser preenchidas ao próprio modo.
Ademais, a comunicação de uma linguagem da ciência não infrequente apresenta atritos com a semântica coloquial, especialmente neste contexto de dificuldades de superposição entre o verdadeiro coletivo e a verdade individual. É razão para reforço da eticidade da tradição médica fundamentada nos meios a serem aplicados e não em resultados.
A ênfase às potencialidades porque se alinha à impossibilidade de qualquer afirmação – por exemplo- antes de dois anos não deverá haver novidades– faz com que o binário verdadeiro/falso admita na beira do leito uma terceira categoria, a indeterminação.
É contexto onde os adjetivos ganham interpretações distintas pela tríade acima citada composta por pressuposições, condicionantes e indeterminações. Por exemplo, há chance alta – mais alta ou menos alta do que eu estou supondo?-, o grau de lesão é moderado– discretamente moderado ou importantemente moderado?-, o prognóstico pós-procedimento é favorável– mais ou menos do que eu almejo?
a) projeções de pressuposição: ligadas ao de fato existente – um diagnóstico com sua situação clínica estável – e relativas a mudanças de estado- conjecturas evolutivas. O médico fundamenta-se na objetividade da experiência e da literatura e o paciente desenvolve um livre pensar misto de racional e emocional.
b) condicionantes: referem-se à história natural que regula inevitabilidades evolutivas, a fatores intervenientes como os chamados de risco e a aspectos da personalidade do paciente que provocam reações mais ou menos ansiosas.
c) indeterminações: a semântica muda por exemplo, quando se diz o teatro estava vazio no contexto de poucos espectadores ou de uma visita fora do horário do espetáculo. A impossibilidade de afirmações sobre evoluções naturais e resultados terapêuticos ou preventivos gera dificuldades em formular gradativos. O adjetivo bonito, por exemplo, admite gradações, o que não acontece com o adjetivo diário. Por isso, a importância da escolha das palavras no diálogo com paciente/familiar.
A Bioética da Beira do leito/Bioética de todos nós valoriza o diálogo esclarecedor na conexão médico-paciente entendendo que o atendimento ao paciente lida com um processo que tem início e fim sob (algumas) determinações e (muitas) indeterminações.