Como valvopatia é minha costumeira área de atuação, senti-me à vontade para modelar a pretendida tecnociência reversora num cenário de cuidado com o humanismo. É gratificante o prazer profissional renovado pela sensação do pleno domínio da situação clínica do paciente, que, entretanto, não pode evitar o reconhecimento que lacunas coexistirão na máxima atenção a o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional (princípio fundamental II do Código de Ética Médica vigente).
Expliquei, como habitualmente, o panorama clínico presente e organizei perspectivas evolutivas, uma narração estruturada que foi ouvida atentamente pelo paciente e pela esposa de mãos dadas e trocas frequentes de olhar. De alguma forma, procurei me incluir profissionalmente naquela cumplicidade.
Durante a exposição, transpareceu-me que pensamentos movimentavam-se e preparavam o casal como interlocutores ativos. De fato, questões se sucederam, apenas uma sobre o diagnóstico e várias sobre prognóstico e timing terapêutico.
Em suma, a certeza diagnóstica não causou perguntas, mas as incertezas evolutivas dominaram o diálogo que consumiu mais 20 minutos da consulta. É o que esperava. E porque isto é o que costuma acontecer?
A resposta é simples: as afirmações permitidas pela medicina são fundamentadas no presente/passado, em vivências comprovadas pela memória, enquanto que o futuro são perspectivas em graus de probabilidade, nunca certezas de realização. O advérbio talvez domina.
Por isso, este tipo de diálogo esclarecedor sobre o que pode/deve acontecer costuma girar sobre as indeterminações quanto ao que virá a ser. Humano! Não deixa de espelhar a tendência do médico em enfatizar o que tem certeza, afirmar e reafirmar, por exemplo, o diagnóstico bem fundamentado e se desviar o possível das incógnitas, deixar o futuro com evasivas como que meio suspenso no ar. O tempo acrescerá os elos esclarecedores é uma objetividade profissional que precisa ser ajustada à ansiedade do paciente.
O desafio que enfrentei no diálogo no caso em questão pela enésima vez em minha vida profissional foi conciliar o desejo de paciente/esposa acerca de mais exatidão nas previsões- desenvolvimento de sintomas, necessidade de procedimento- com minha disposição ética em lhes esclarecer a impossibilidade de o médico atuar como bola de cristal, que havia alta chance de a evolução clínica acontecer, porém sem datas definíveis. Repeti algumas vezes a mensagem de que podiam contar com o meu profissionalismo desde que fosse estabelecida uma conexão médico-paciente adequada, era a maneira de resumir o que o médico pode garantir.
A circunstância expõe a tríade composta por pressuposições, condicionantes e indeterminações que alinhada ao respeito ao direito à autonomia pelo paciente, ao imperativo de consciência do médico e à disposição pelo paternalismo brando é exigente da contrapartida da confiança pelo paciente num cenário de impossibilidade de uma resolução imediata como desejada.