A Beneficência (fundamento 9) é princípio da Bioética que nos aconselha a utilizar métodos úteis e eficazes validados e atualizados para as circunstâncias clínicas. Diretrizes clínicas organizam utilidades como dimensão de efeito e constituem potencialidades de benefício a serem considerados como pontos inicias de referência de condutas na beira do leito. Pela ética, dúvidas sobre utilidade e eficácia conceituais e necessidades de maior consistência de evidências devem suscitar a ajuda da pesquisa clínica. A Beneficência conjuga-se ao Rigor tecnocientífico e sua efetividade é influenciada por tudo aquilo que está contido na Abertura, na Lógica do terceiro incluído e em Níveis distintos de realidade ao mesmo tempo, expressões de alerta que potencial de benefício não significa exatamente subsequente realização do benefício integral ou parcial. Daí a ligação à Prudência que faz o conhecimento do caso ser transpassado pela flecha da experiência e entrelaçado com as recomendações da literatura. A interface com o Zelo com o combinado/ajustado/consentido confere sinceridade profissional, uma relação com o paciente e consigo mesmo, a certeza que o consentimento do paciente será uma verdade e um valor.
A Não Maleficência (fundamento 10) é princípio da Bioética representante da imortalidade de Hipócrates. Em função do progresso da medicina, ele se aproximou do conceito de segurança. Todo método em medicina carrega um potencial de dano. Desta maneira, Não Maleficência é compromisso com a menor transformação do potencial de malefício em efetiva realização danosa, quer por evitação – não aplicar um método sem indicação validada-, quer por minimização- uso concomitante de métodos protetivos. Depreende-se. pois, que a Não Maleficência dialoga com a Abertura, a Lógica do terceiro incluído, os Níveis distintos de realidade ao mesmo tempo, a Prudência e o Zelo. Este amplo diálogo sinaliza que a medicina contemporânea precisa muito da Bioética de todos nós em função das dificuldades de restringir as crescentes agressividades em prol do sucesso terapêutico ao alvo etiofisiopatológico, o que significa chance de efeitos sobre sanidades e comorbidades.
A Autonomia do paciente (fundamento 11) é princípio da Bioética que se alinha ao livre-arbítrio para manifestar desejos, preferências, objetivos e valores quando precisa fazer escolhas a respeito de suas necessidades de saúde. Ela se revela no contexto da conexão profissional da saúde-paciente e sua maior expressão é o consentimento ou não do paciente à recomendação médica. Seus atributos incluem: a) a visão de uma pessoa em sua individualidade no mundo infinito da condição humana; b) a capacidade cognitiva para tomar decisões e fazer escolhas sobre si próprio; c) a consciência da responsabilidade de atuar nas escolhas como um agente moral guiado pela razão. Há a Autonomia do paciente intrínseca em que a decisão fundamenta-se, exclusivamente, pelo livre-arbítrio do próprio paciente e há a Autonomia do paciente de relação pela qual o consentimento ou não sofre influências de circunstantes, como familiar, outro paciente, amigo, etc… Ademais, o direito à Autonomia do paciente admite reformulações dentro de um processo de tomada de decisão com vários cenários- assintomático, sintomático, pós-procedimento, etc…- razão para a obrigatoriedade profissional de manter o paciente esclarecido sobre o desenrolar do atendimento. Por isso, cabe considerar eventuais não consentimentos sob a possibilidade de provisório e por diversas razões como carência de compreensão, temor, memória de fatos passados. Assim, é justificável que o médico disponha-se perante um não consentimento inicial do paciente a re-esclarecer, tirar dúvidas, repassar as indeterminações da recomendação, sem contudo, incorrer em coerção ou proibição, ou seja praticar o paternalismo brando no intuito de revisão da resposta pelo paciente. O Código de Ética Médica vigente inclui a sequência dos Art. 31- É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte e Art. 32- É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. A necessária integração da aparente contradição ante um não consentimento do paciente ilustra a conveniência do diálogo entre os fundamentos da Bioética de todos nós.
BBD é o médico de UFL, um homem de 74 anos de idade. Aconselhado pelos filhos, o paciente recusou-se a se submeter a uma cirurgia urológica, preferiu manter o tratamento farmacológico. O médico reuniu paciente e familiares e exerceu o paternalismo brando. Não obteve sucesso. Prevaleceu o teor do Art. 31 do Código de Ética Médica vigente. O ponto fundamental da recusa foi a indeterminação da medicina sobre adversidades ao procedimento num paciente com algumas morbidades cardiocirculatórias. Passados 10 meses, o paciente retorna com obstrução urinária. Após três dias de uso da sonda aliviadora, o paciente muda a sua visão de relação beneficência/maleficência e o teor do Art. 32 do Código de Ética Médica vigente passa a prevalecer. Verifica-se, pois, que o cumprimento do teor do Art. 32 depende do Art. 31.
A interpretação binária caso a caso pode ser facilitada pela aplicação concomitante da Bioética de todos nós. As hesitações de consentimento -do paciente ou do responsável legal- que costumam dissociar os dois artigos são causadas frequentemente pelas indeterminações da medicina, a impossibilidade de garantir resultados, a dificuldade de precisar o quanto de potencialidades benéficas e danosas tornar-se-á realizações. Desta maneira, na condução dos esclarecimentos do médico ao paciente, idealmente, pari-passu com o desenvolvimento das condutas, privilegiando o objetivo de reverter/prevenir as dobras da complexidade do caso, o médico deve ter como eixo principal o Rigor tecnocientífico que aliado à Beneficência, é contudo sensível à Abertura ao desconhecido/imprevisível/inevitável e à Lógica do terceiro incluído. Assim procedendo, o médico torna-se motivado, não somente a raciocinar com Prudência e alinhamento a Níveis distintos de realidade ao mesmo tempo, que valorizam a Não Maleficência, como também a admitir justificável um olhar de Tolerância para eventual contraposição de opinião do paciente inclusive pelo direito à Autonomia.
O princípio fundamental VII do Código de Ética Médica vigente dispõe que o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente. Esta disposição suscita Imperativo de consciência do médico como 12° fundamento da Bioética de todos nós e fechando o quarto conjunto-guia. Este fundamento motiva interpretações distintas nas interfaces da ética com a moral e o direito. O que se observa na beira do leito é certa contraposição entre uma liberdade teórica e uma não-liberdade prática. Mais uma vez, faz-se útil a visão em conjunto da Bioética de todos nós, pois perante o cumprimento do Rigor tecnocientífico/Beneficência/Não Maleficência/Prudência, a aplicação dos conceitos da Lógica do terceiro incluído/Níveis distintos de realidade ao mesmo tempo facilita a análise de prós e contras momentâneos e futuros sobre tomadas de decisão fortemente fundamentadas no Imperativo de consciência do médico.