O benefício do medicamento faz o paciente conhecer a medicina, o efeito adverso faz conhecer o médico. Eficácia e segurança são objetivos essenciais da pesquisa de novos fármacos. Beneficência e não maleficência unem medicina, médico e paciente.
A habitual prescrição de fármacos pelo médico requer expor ao paciente benefícios necessitados e riscos de efeitos adversos. O aspecto qualitativo das adversidades é indiscutível. O dilema é acerca do aspecto quantitativo, a calibragem da abrangência e da profundidade da comunicação sobre danos em potencial, o rigor dos detalhamentos a serem passados para o paciente.
Costumam-se observar três tipos de efeitos adversos: a) não específicos, comuns a vários fármacos como epigastragia, cefaléia, tontura, sonolência, fadiga, insônia, mal-estar vago; b) específicos do fármaco; c) específicos do paciente.
Se por um lado, o respeito às informações é essencial para a autoavaliação do futuro usuário e o consentimento como primeiro passo para a adesão, por outro, a notícia pode induzir o paciente a ter as manifestações por obra de um efeito nocebo (efeito placebo negativo). Em outras palavras, comentar sobre efeitos adversos não é um fato neutro.
Aspectos a considerar na revelação ao paciente incluem a frequência de manifestação, a gravidade dos sintomas, o grau de interferência na qualidade de vida, a insegurança para o dia-a-dia.
Um antepassado do efeito adverso é a prescrição de dose tóxica como forma de comprovar a atuação do fármaco, como praticado no século XVIII por William Withering (1741-1799)- método de digitalização de Withering: “… administro de 1 a 3 graõs do pó de digitálico duas vezes ao dia para adultos… quando dado em doses muito altas e repetidas, provoca vômito, diarreia, tontura, visão turva de objetos que se tornam amarelados ou esverdeados… além disto, ocorre aumento da quantidade de urina e diminuição da frequência do pulso para 35/min, havendo casos de convulsão, síncope e morte… dado de maneira menos violenta, estes efeitos são atenuados…dêem o remédio até agir nos rins, no estômago, no pulso e no intestino, parem ao primeiro sinal de um destes efeitos…”.
Um prêmio do efeito adverso é sua ascensão a benefício. É o que aconteceu com o minoxidil, originalmente um hipotensor arterial que por causar hirsutismo passou a ser indicado para crescimento do cabelo e retardo da calvície; sildenafila lançado no mercado como hipotensor arterial e que paralelalmente apresentou efeitos úteis para a disfunção erétil; ácido acetil salicílico, um velho analgésico conhecido por Hipócrates (460-ac-370ac) na folha do salgueiro (família das Salicaceae) – recomendava às gestantes mastigarem no trabalho de parto- que no século XX se percebeu que interferia na função plaquetária e, assim, ampliou seus benefícios terapêuticos e preventivos para o sistema circulatório.
Efeitos danosos de plantas observados fora da clínica foram transformados em benefício farmacológico, como aconteceu com o curare utilizado em flechas envenenadas por indígenas e com a varfarina que provocava hemorragia digestiva no gado pelo trevo doce da ração umedecido no armazenamento e que foi usada inicialmente como raticida (os ratos brigam, se arranham e morrem pelo sangramento facilitado pela varfarina).
Uma placa semeada com Staphylococcus que num primeiro momento parecia ter se tornado imprestável para o objetivo por conta de um bolor abriu as portas para a antibioticoterapia graças à perspicácia de Alexander Fleming (1881-1955).
The pharmacological basis of therapeutics: a textbook of pharmacology, toxicology and therapeutics for physicians and medical students (Goodman, Louis Sanford -1906-2000, Gilman, Alfred- 1908-1984, [1.ed. 1941]) teve uma influência capital no desenvolvimento da farmacologia e na formação do profissional da saúde em muitos países. Há uma curiosidade histórica: A editora Macmillan imprimiu três mil cópias da primeira edição com muito receio sobre as chances de venda e decidiu que recompensaria os autores com uma caixa de uísque escocês se o total fosse vendido em quatro anos. A edição esgotou-se em seis semanas e tiveram que imprimir rapidamente mais cópias. O potencial adverso não aconteceu, só o benefício! Tim tim!