Tive o curso de medicina numa faculdade qualificada com serviços e mestres expoentes. Pela ainda baixa aceleração de inovações da época, a ênfase foi sobre o passado com pouquíssimas projeções de futuro.
Hoje precisa ser diferente, pois as transformações estão muito rápidas. Por isso, um cuidado é as novas gerações não violentarem a tradição. Na preservação reside uma inquietação, o que seria imutável e o que deverá ser transformado?
Controvérsias sobre pontos de referência do passado explodem! O atavismo hipocrático é forte! Convicções individuais encontram resistências para predominar sobre decisões coletivas. A medicina liberal encolheu, os protocolos expandiram. Novas disponibilidades, novas orientações, novas exigências. A complexidade domina e artigos do Código de Ética Médica demandam certos ajustes de interpretação para os desdobramentos. As inseguranças ética e jurídica crescem na beira do leito. Um panorama desafiador!
Há 52 anos, quando me formei em medicina, fazia 14 anos que deixara de vigorar no Código de Ética o dever do médico de procurar tolerar os caprichos e as fraquezas do doente desde que não se opusessem às exigências do tratamento ou agravassem a afecção (Código de Deontologia Médica, 1945-1953).
Mesmo assim, lembro-me que era incomum a voz ativa do paciente, especialmente em hospitais de ensino. A nova beira do leito do acatamento ao paciente e isenta de julgamentos moralizantes, sensível a eventuais discordâncias, empática aos sentimentos intervenientes teve empecilhos para surgir e precisou de umas cotoveladas no cientificismo para abrir caminho.
Por educação, quando tanto, solicitavam-se permissões aos pacientes que estavam longe de serem consentimentos pela simples razão da impossibilidade de negativa ao profissional da saúde. Era comum ouvirem-se enfermeiros dissuadirem pacientes a persistir numa recusa pelo imperativo “- São ordens médicas!”.
Na maioria das situações, os pensamentos dos pacientes ficavam ocultos numa redoma de obrigação de cumprir, bem vedada por confiança e espírito de resignação. Em várias circunstâncias, pude perceber como a religiosidade do paciente transferia o manejo das angústias não esclarecidas pelo médico para uma dimensão heteronômica divina. Uma magnífica capacidade adaptativa!