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698- Na moral (Parte 1)

Quantos encontros entre medicina, médico e paciente acontecem na beira do leito! Eles firmam escolhas que, não necessariamente, acontecem sob um sereno consenso. Representam a arte de aplicar ciência que não costuma fazer parte do diploma recebido à formatura. Uns terão mais naturalidade para se conectar com o paciente, mas todos têm que ralar, pretendendo acertos, aprendendo com erros.

Falar a mesma língua do paciente pelo médico e do médico pelo paciente não é fácil e provoca sotaques. Há empecilhos a traduções simultâneas, não se criou ainda um esperanto da beira do leito e, por vezes, resulta aplicável uma referência à torre de Babel. Atritos especialmente por verbalizações produzem fagulhas e são comburentes de conflitos. Cabe na beira do leito o pensamento de Antoine Saint-Exupery (1900-1944): A linguagem é fonte de incompreensões.

Tensões mais agudas exteriorizam-se quando o paciente expressa de modo autonômico uma negação de benefício para a beneficência validada pela medicina, que tida como paternalista, ao mesmo tempo, não assegura não maleficência. É da condição humana que o risco de um dano gera insegurança apesar do desejo pelo bem. Há um texto frio na literatura médico a ser interpretado na beira do leito com muitas entrelinhas.

O jovem médico ao som do tique-taque das horas de aprendizado na beira do leito vai compreendendo como manejar matérias-primas do atendimento- inclusive algumas não familiarizadas na faculdade- para alcançar o sucesso.

Na arte de aplicar a ciência, ele vai acumulando expertise, frente a presenças e ausências, incertezas e inseguranças, trabalha para selecionar as potencialidades da medicina com maior chance de realizações reversoras (num órgão doente), preservadoras (de um órgão saudável) ou mesmo evitadoras (de agravar comorbidade), caso a caso.

As matérias-primas incluem bióticos e abióticos com capacidade de interação na pluralidade complexa do ecossistema da beira do leito. Os preenchimentos dos vazios diagnósticos, terapêuticos e preventivos nunca atingem critérios de perfeição (existem?), sempre haverá alguma imperfeição no atendimento.

Pelas atribulações da beira do leito, pelas escolhas possíveis, há um ideal/suficiência/possível para cada narrativa, mescla de completudes e incompletudes. Delimitações circunstanciais ocorrem por conta do alcance da medicina, recursos humanos, disponibilidades do sistema de saúde e individualidades do paciente.

A impropriedade do termo perfeição para a beira do leito faz chamarmos de excelência o ápice do que pode ser pretendido em suas várias dimensões e múltiplos níveis. O que precisa ficar claro para o jovem médico é que mesmo a excelência não está isenta de tensões e ambiguidades. A beira do leito carrega um imperativo por passagens conflituosas exigentes da crítica dialógica. Habituais, conexões, desconexões e reconexões indicam que turbulências cabem na excelência. Pode-se simplificar para uma sensação de tranquilidade, porém, atento ao lema do escotismo para não ser surpeendido: Sempre alerta!

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