Toda hora o cenário da beira do leito se modifica. O ajuste a maneiras de aplicar medicina provoca repensamentos do médico. Por isso, expansões do saber além da disciplina/especialidade são bem-vindas. A transdisciplinaridade da beira do leito é de interesse da Bioética da Beira do leito.
O repensar transdisciplinar acerca de certas pressuposições tidas como dogmáticas direciona movimentos para evitar derrapagens nas habituais curvas do aprendizado do profissional da saúde sobre tecnociência e comportamentos sociais.
O número do CRM é fixo e representa uma autorização para toda a vida. Aquele número não será usado por outro médico algumas gerações depois. É um simbolismo interessante a respeito da responsabilidade profissional. Ninguém é o mesmo médico desde a formatura. São sucessivas metamorfoses. Mesmo número, estágios distintos de maturidade profissional. Honrar o próprio número de CRM sintetiza a ética na beira do leito.
As transformações do significado de estar médico incluem algumas iniciativas vistas como transgressoras pois desconstroem tradições e reformam a harmonização ética, moral e legal da beira do leito face a renovações aceleradas no contexto da conexão médico-paciente-medicina. Número de CRM estático, representatividade dinâmica. O jovem médico não sabe hoje, que caminhos exatamente a medicina lhe disponibilizará daqui a poucos meses.
Exemplo marcante das tortuosidades dos passos éticos, morais e legais é a Resolução CFM nº 1.805/2006 que dispõe que o médico autorizado pelo paciente ou seu responsável legal pode limitar ou suspender tratamentos exagerados e desnecessários que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis. Ela sofreu ação civil pública de decretação de nulidade pelo Ministério Público Federal – alegação de indução ao homicídio- até ser validada pela Justiça após quase quatro anos. Atualmente, consolidou-se como Princípio fundamental XXII- Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados. A arte de aplicar as ciências da saúde suscita pseudópodos transdisciplinares e muitas emoções, aliás, estas precisam de identificação tanto mais ampla quanto precoce. No carrossel da beira do leito, a negligência (deixar de prescrever) que passou faz pouco tempo, surge agora como imprudência (obstinação terapêutica, por exemplo). O carimbo do número do CRM não precisou ser mudado.
A relevância de integrar o ser médico ao estar médico com a cooperação da transdisciplinaridade destaca-se quando se observa que a atuação do médico na beira do leito jamais deixa de conviver com alguma proporção de ambiguidades. De fato, inflexibilidades e impulsividades cohabitam, cada uma puxando para um lado, mesmo processo de tomada de decisão envolvendo beneficência, não maleficência e expressões da autonomia. O número do CRM fica num jogo de forças entre a memória de um coletivo chamado de experiência e o compromisso com as individualidades. Certas ocasiões, a contraposição se estabelece entre a beneficência e a autonomia.
Uma vantagem da transdisciplinaridade na beira do leito é abrir o leque de opções adaptativas a ambiguidades/inflexibilidades/impulsividades na ocasião em que o médico desenvolve o raciocínio clínico, que é tradicionalmente um solilóquio, cada vez mais estimulado ao compartilhamento com o paciente.
O número do CRM coleciona emoções variadas e tem num Comitê de Bioética o apoio para um diálogo transdisciplinar. A atuação como um educador emocional que facilita ao médico tomar decisões circunstanciais mais imparciais, cautelosas e flexíveis, sem se sentir tão somente um número profissional.