O triângulo é um símbolo fundamental pelo menor número de traços que permite um conteúdo, inclusive um labirinto. A busca de orientação na natureza há muito utiliza a triangulação- com estrelas, por exemplo.
Consultorias em Bioética na beira do leito podem ser reduzidas a um triângulo. Os ângulos representam a intenção do equilíbrio entre partes – paciente, médico e medicina- distintas, algo como direcionar um triângulo escaleno para um triângulo equilátero.
A Bioética da Beira do leito valoriza triangulações de diversas ordens: o saber da ciência, o desejo que sustenta o ponto de vista e a pretensão à universalidade; o respeito, a obediência e os valores; o presente que lida com um progresso terapêutico, o passado que fornece uma norma e o futuro como expectativa.
A questão da transfusão de sangue e paciente Testemunha de Jeová é modelo ilustrativo da abrangência destas modalidades de formação de triângulos por contraposições. Integram-se a universalidade do benefício na óptica do saber médico, normas estabelecidas num passado a serem obedecidas pelo paciente e o direito ao respeito a valores e a expectativas de futuro. Os ângulos da beneficência, não maleficência e autonomia em formações de equilátero, isósceles ou escaleno.
A graduação dos ângulos é influenciada por defensas morais nada flexíveis em relação a valores morais. A indicação da transfusão de sangue já na última instância de critérios para sobrevida e a responsabilidade profissional do médico nada conciliáveis com a rígida hierarquização religiosa do paciente que clama por tolerância. Cabe ao consultor em Bioética promover diálogos transdisciplinares entre ciência e espiritualidade envolvendo pensamentos e linguagens num trânsito em labirinto energizado pela concepção que acreditar e duvidar ao mesmo tempo não é contraditório.
Os pontos finais cogitáveis – saída do labirinto- são risco de morte do paciente Testemunha de Jeová e rótulo de negligência na consciência do médico. Daí é que parte a marcha-ré para o cerne da questão terapêutica.
Em conflitos com menor nível de dogmatismo (pretensão a uma única verdade que leva a um profetismo), graus de coragem criativa para pensamentos e linguagem facilitam provocar mudanças e viabilizar conciliações. Para tal, o consultor em Bioética deve acolher cada ponto de vista manifesto. As suas interpretações não precisam ser neutras, ele pode se identificar mais com os argumentos de uma das partes, mas, o seu comportamento deve ser imparcial, ou seja, a análise não pode ter conflito de interesses com eventual falta de neutralidade.
O consultor em Bioética é um hermeneuta da ética e da legalidade que é sensível à diversificação das necessidades humanas. Nem indiferente, nem tendencioso, ele precisa vivenciar o labirinto, reconhecer as dificuldades de trânsito para o encontro da saída conciliadora, desenvolver pensamentos e linguagem alinhadas com as realidades e as ilusões expostas.
No fundo, o consultor em Bioética envolvido em labirintos e triangulações, neutralidade e imparcialidade, promoção do benefício e respeito ao direito à autonomia, precisa lidar com os meandros da indagação crítica: O que pode ser feito, o que querem e não querem que seja feito, deve ser feito?
Haja pensamentos e linguagem estruturados – tanto quanto possível argumentos sólidos e palavras brandas- para dar a densidade compatível com o gigantismo das possibilidades de diálogos transdisciplinares humanos na beira do leito!