Não desejo entrar na discussão entre criacionismo e evolucionismo, sou ao mesmo tempo portador de genes do bisavô rabino e contaminado pelo espírito científico.
Filho de médico e desistente do curso de medicina, o naturalista Charles Robert Darwin (1809-1882) descobriu que organismos com variações favoráveis às condições do ambiente tinham maior capacidade de sobrevivência- publicado em Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural (1859)-, o que, subsequentemente, foi alinhado com a variabilidade genética.
Há a perspectiva atual de técnicas de biotecnologia provocarem um bypass pela evolução natural- humanos mais habilidosos, quimeras com intuitos utilitaristas. Nesta realização da então apenas ficção de algumas décadas passadas, o transumanismo – além do humano- pretende reconhecer e antecipar, além de recomendar necessidades evolutivas, num campo de ilimitada imaginação e propósitos.
Prevê-se uma escalada da manipulação do patrimônio biológico humano face a disponibilidade de recursos e a criação de espécies pós-humanas- a partir de humanos, não mais humanos- com a pretensão de melhoria do ser humano. Menos acasos da natureza e mais responsabilidade de gerir o desejado. Mas, sempre tem um mas, melhor para quem? Confia-se numa sabedoria maior do que a da natureza que nada faz sem uma justificativa admissível?
O potencial de maleficências assombra e faz muitos – os bioconservadores- etiquetarem o transumanismo como uma tecnoprofecia desumana, sem valores, inconsequente e iconoclasta dos direitos humanos. O privilégio da superação de caráter biológico traria a potencialidade de agravamento de desigualdades sociais, comprometimento de culturas e dificuldades para o relacionamento interpessoal. Ideias de Thomas Robert Malthus (1766-1834) ressuscitariam a reboque da maior expectativa de vida saudável e o significado de controle da natalidade teria novas implicações. A vulnerabilidade não despareceria com medidas artificias evolutivas proclamam os bioconservadores que enxergam uma eugenia destrutiva da dignidade, autonomia e autenticidade da pessoa.
Já os transumanistas vislumbram a transposição escrupulosa dos limites da condição humana. A evolução artificial pela biotecnologia teria as vantagens de ampliar as interfaces do cérebro com o computador (recorde-se que cérebro eletrônico foi o termo inicial para designar a computação), produzir melhora da qualidade vida em geral, eliminar doenças, prolongar a expectativa de vida (influência sobre o envelhecimento) e, num contexto hedonista, acabar com o sofrimento involuntário. Difícil não se entusiasmar, mas a etimologia de entusiasmo- inspiração divina- alerta para os perigos da perda da crítica, da hiperatividade dos braços com anestesia da mente e do escamoteamento de conflitos de interesse.
Questões de comportamento e deveres morais surgirão nesta caminhada em direção a uma vivência pós-humana com repercussões sociais, éticas e religiosas.A Bioética anima-se. Ela se interessa pelos meandros do transumanismo, seus pressupostos, seus critérios e seus dilemas da moralidade. Desejo de poder e receio de submissão, um sombra do outro e, como dito por Alfred Louis Charles de Musset (1810-1857), se corres atrás da sombra, ela correrá a tua frente, se corres à frente dela, ela vem atrás de ti. O principialismo adverte que benefícios não são isentos de sombras de malefícios- inexiste risco zero em novidades e inovações- e que a autonomia carrega chances de assombrar a beneficência.
Um movimento pendular de apreciação e condenação do transumanismo justifica-se. Melhor a discussão do que a imobilidade pelo dogmatismo ou pelo fanatismo.
Aceleradas pretensões de aperfeiçoamento do Homo sapiens, a serem sustentadas pela razão, ciência e tecnologia coincidem com esforços contemporâneos de benefícios tecnológicos na área da Saúde. Os vislumbres de pós-humanos incluiriam genes facilitadores do usufruto da abrangência e da profundidade de uma inteligência ampliada e com poderes de vacina contra males de várias naturezas.
Como se pode verificar, há superposições da discussão sobre transumanismo com a provocada pela chegada da inteligência artificial à beira do leito, suas perspectivas de colaborativa e conectada. É importante ter em mente que a alteração em métodos de tomada de decisão não necessariamente é capaz de determinar uma novíssima medicina sem profundas modificações do ambiente de atendimento, especialmente do valor do tempo qualitativo.