Stephen Hawking (1942-2018) nos ensinou que mais do que a ignorância, é a ilusão de ter o conhecimento que prejudica. Vale para a beira do leito. Inclui as não raras variações de credibilidade sobre evidências científicas obtidas em pesquisas clínicas. De certa forma, alinha-se com o conselho de se aproximar de quem procura a verdade e de se afastar de quem a encontrou.
O médico, contudo, precisa tomar decisões – apesar de ser tomado por indecisões- e a ética aponta que a atualização dos saberes é o ponto de referência. Evidentemente, não só saberes, também habilidades e recursos humanos e materiais. Em suma, um saber em equipe – real dos profissionais presentes ou virtual por conhecimentos globalizados. validados na literatura das ciências da saúde.
Existe o saber que, teórico e relacionado ao conhecimento prévio, por exemplo, sobre princípios que regem a teoria, e o saber como que sustenta habilidades, práticas não alinhadas com o domínio da teoria. Num extremo está o médico plenamente mergulhado na academia, noutro, o médico atarefado na linha de frente, entre eles, janelas de combinações variadas de saber que e saber como. O bioamigo está em que ponto da escala?
O pensamento crítico e o raciocínio fundamentado no estado da arte, estes pilares da medicina tradicional, podem , infelizmente, resultar dispensados pelo excesso de utilização de métodos operacionais que corrompem a intenção de analisar de modo mais abrangente e profundo as circunstâncias de cada caso.
Neste direcionamento para a coletivização em detrimento da individuação da conduta para CIDs assemelhados, diretrizes clínicas carregam o viés clínico de sustentar a recomendação de um método sem exigir a posse das múltiplas dimensões sobre as evidências que a fundamentam. Segue-se a manchete sem leitura do texto da matéria.
Trata-se, então, de uma medicina superficial, antítese da almejada medicina profunda (deep medicine), mergulhada numa máxima composição de sustentações da contemporaneidade da medicina. Para muitos, lidar tão somente com o sobrenadante é inevitável, em virtude do acelerado progresso da medicina. Polêmico, mas defensável para certas circunstâncias rotineiras da beira do leito. Como se sabe, bastaria o simples uso de binóculos no Titanic (1912) para terem enxergado o iceberg – há relatos que estavam trancados nm armário-, sem necessidade de informações detalhadas sobre a profundidade.
A inteligência artificial tem a perspectiva de ampliar este comportamento menos reflexivo do profissional da saúde com um paradoxo: disponibilizará uma medicina superficial no que se refere ao domínio dos fundamentos pelo médico – a figura que basta apertar um botão para acionar o big data- e, ao mesmo tempo, a recomendação será fruto de um profundo e abrangente mergulho no emaranhado atualizado das potencialidades da medicina e suas realizações, tanto as bem quanto as mal sucedidas.
Aliás, o foco nas mal sucedidas é contribuição relevante, pois permitirá, não somente, a prática de ajustes preventivos, como também, acrescerá razões para uma não indicação ou mesmo uma contraindicação, apesar de um cogitável benefício conceitual. Vale dizer, embora o risco da adversidade grave seja baixa, da ordem de 1%, por exemplo, os registros com detalhes análogos ao caso em questão revelam 90% de chance de insucesso na individualidade.
Adaptando um pensamento do filósofo Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855), a compreensão da medicina exige olhar para já realizado e os efeitos práticos requerem atenção com os riscos para a frente. Ou seja, a beneficência do saber que presumida pela análise do passado não dispensa a prudência do saber como pela avaliação da (não) maleficência em relação ao futuro. Alô Bioética!