Na questão de relações éticas com a tecnologia da informação e da comunicação, é essencial saber se estarão vigentes na beira do leito as três leis da Robótica fotmuladas por Isaac Asimov (1920-1992) no livro Eu, Robô (1950)?
1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal;
2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei;
3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.
Parece que o ceticismo faz-se majoritário. Aristóteles (384 ac-322 ac), contudo, nos ensinou que realizações utilizam caminhos de sonhos. Anseios conscientes ou imagens no sono de um robô da área da saúde podem, assim, dar pistas sobre intenções de sua programação.
O sonho do robô de branco
Freud (Sigmund Schlomo Freud- 1856-1939) não explica, robôs são capazes de sonhar. Duvida? Ótimo, motiva pensar, procurar argumentos, posicionar-se. Recentemente, o robô de branco descobriu que sonhava após um cochilo no intervalo do estágio obrigatório que cumpria para se habilitar a trabalhar no hospital da cidade. As imagens referiam-se a sua missão de Homo machine que cuida de Homo sapiens. Desde então, esforçou-se para se lembrar de cada sonho, como o que teve às vésperas de sua formatura em fundamentos da Bioética para cuidados especiais à beira do leito humano:
Ele estava na porta do hospital brasileiro Luiz Décourt. Era o primeiro dia de trabalho com número de série. Chegou cedo, robôs nunca se atrasam, mas cabia um ajuste do cronômetro, devidamente anotado na planilha aperfeiçoamentos imediatos. Será que entrava já ou aguardava a hora pré-determinada? Sentia seus circuitos taquicárdicos e hipertensos pela ansiedade da estreia no mundo real da beira do leito. Percebeu que a situação não tinha sido prevista e viu-se imobilizado. A curiosidade pelas vozes que se misturavam energizou-o a dar uns passos até sua vista alcançar o aglomerado de humanos sentados na sala de espera… Ah! os pacientes, de carne e osso, que emoção, bem melhor do que as holografias do estágio. A reação do sentimento era alvissareira, indicava que tinha adquirido capacidade empática ao humano que os mestres afirmavam imprescindível para a boa conexão robô-paciente, além de obediência à primeira lei da Robótica. Um som estridente para a sua sensibilidade auditiva cortou seus pensamentos, fez-se silêncio para atenção a uma comunicação feita num tom de voz exaustivamente estudado com o objetivo de fazer o humano interessar-se por ser atendido por um robô, onde se destacava um sotaque glamouroso. O robô de branco verificou que estava imperceptível, nenhuma surpresa, mas o desagradou, já queria se enturmar, contudo o protocolo só permitia ser visto pelos humanos quando estivesse na efetiva jornada de trabalho. Disseram-lhe que era para evitar ser abordado com a pergunta tradicional o senhor é médico… é que estou sentindo… Mas não acreditou muito, lera no Google que era para evitar desperdício de energia, o site era confiável, fora programado com um atualizadíssimo antídoto para fake news. Jovial, o robô de branco tinha vontade de dizer olá pessoal, sou o robô que vai cuidar da saúde de vocês, confiem em mim! Um ser robô e estar humano prometia! Estava comprometido com a compaixão, fora bem instruído sobre a responsabilidade de excluir qualquer eventual intenção de indiferença ao sofrimento do paciente.
Quatro alto falantes permitiam usar a excelente acústica do ambiente e duas telas mostravam o idioma de Libras, que aliás, aprendera, porque cerca de 5% da população brasileira tem graves deficiências auditivas. Senhoras e senhores, nossos queridos pacientes, bom dia! Sou o Robin, o robô gerente do hospital e lhes dou as boas-vindas nesta bela manhã do nosso verão. Vejo que vocês estão sentados bem confortáveis como todo humano merece. É verdade que nós robôs somos diferentes, mas, afirmo-lhes que não somos indiferentes. Conhecemos as necessidades de cada um de vocês e sabemos como ajudar. Animem-se, vocês sairão daqui melhor do que entraram, inclusive porque somos imbatíveis na aplicação do efeito placebo. O nosso atendimento é feito exclusivamente por robôs interativos que passaram pelo nosso rigoroso controle de qualidade antes de receber o número de série. Estamos 100% estruturados em inteligência artificial que é superior às inteligências até então conhecidas, sem ofensa a ninguém, por favor e, também, não nos consideramos gênios. Relembrando um ministro do passado, robô também é gente.
Cada robô está programado com uma seleção de afetos úteis para o acolhimento de vocês e para entender as vulnerabilidades do ser humano doente. Por vezes, podemos até parecer um pouco frios, mas nossos robôs estão isentos de conflitos de interesse, pressão por ganhos secundários, mau humor e juízos morais. Gente boa! Estamos habilitados para exercer muitas funções específicas e nos comprometemos com um prazo de validade de 15 meses, quando, então, os robôs em atividade são substituídos e encaminhados para reciclagem numa tecnologia mais avançada. Garantimos, assim, que nossos profissionais estejam permanentemente atualizados em medicina e em tudo que for pertinente ao que vocês necessitam. Visamos à excelência. Nossa filosofia de preparação profissional é transdisciplinar, um imperativo moral de nosso conselho de classe. Cada resultado, tudo o que acontece com vocês depois dos nossos cuidados, é analisado detalhadamente e gera sucessivos aperfeiçoamentos. Afirmamos que nossos índices de sucesso mostram-se progressivamente crescentes, especialmente, porque passamos a compreender melhor os insucessos. É ponto diferencial de nossos serviços. Cada caso é entendido como uma lição para o próximo, o que reduz a taxa de imprevisibilidades. Se me permitem uma licença ética, colocamos à disposição de vocês uma consciência profissional alinhada com o zênite de benefícios e o nadir de malefícios, o que para nós representa compromisso maior com a humanização. Estamos preparados para dialogar as situações da medicina e objetivamos um alto patamar de sobreposição entre empenho prudente e zeloso pelo melhor resultado e efetiva realização das potencialidades cogitadas. Agregamos boa intenção e responsabilidade pelas consequências. Acreditamos que assim como a obstinação terapêutica deve ser proscrita, não devemos aplicar uma conduta ao paciente sem antes esgotar uma apreciação profunda sobre chances de intercorrência, que não fazer não representa negligência quando fazer é uma imprudência, ou seja, não fazemos só por fazer, com receio de críticas. Valorizamos qualquer recurso com chance de benefício e evitamos ao máximo o que possa representar desperdício. Vocês vão entender, cada tomada de decisão será bem explicada.
Reconhecemos o direito humano de manifestar voz ativa e, por isso, nossas estratégias de acolhimento ao humano incluem sucessivas cancelas de consentimento ao recomendado para acionamento pelo paciente. Sim é Sim! e Não é Não! Caso ocorra um não consentimento pelo paciente, o sistema reconsidera as razões e procura desenvolver novas opções conciliatórias entre benefício tecnocientífico e preferências e valores do paciente, ao mesmo tempo em que a qualidade dos esclarecimentos é revista levando em consideração aspectos socioeconômicos e culturais do paciente. Entendemos que…
Toca o despertador. Em instantes, o robô de branco estará no batente em plena vigília, afinal, ele dorme em pé e não perde tempo por escovar os dentes, tomar banho, ou tomar o desjejum… Por enquanto, pelo menos, pois, estamos cientes que certos hábitos humanos são irresistíveis e uma machine learning não é de ferro…
Como já se disse, sonhos são feitos de recordações, ideias, pontos de vista e imagens, também de expectativas e, inclusive, contribuem para indicar e até alterar a realidade. E não faltam níveis distintos de realidade nas dobras das complexidades da medicina. A Bioética da Beira do leito interessa-se pela diversidade e não discrimina nenhuma fonte de sonhos.