O profissionalismo impede o médico de ser neutro perante um não consentimento do paciente. O médico é o biótico do ecossistema da beira do leito que detém a visão de conjunto sobre o prognóstico do fazer e do não fazer. Porque então, desestimular uma persistência pós-não consentimento da influência técnica do médico, comprometida, colaborativa e compassiva? Porque ele não pode reagir ao entendimento que um não consentimento do paciente pode ser provisório por medo, pelo nocaute emocional da má notícia, por falta de prática para metabolizar todas as variáveis?
A Bioética da Beira do leito defende o paternalismo brando, mas é consciente que os ponteiros do relógio conspiram contra uma persistência da influência do médico sobre a resposta do paciente. Será um uso do profissionalismo, não um mau uso, muito menos um abuso.
O médico atencioso e compreensivo acerca das vulnerabilidades humanas causadas pelas doenças deve evitar a burocratização do consentimento. A beira do leito não é um balcão onde o paciente diz sim ou não sem maior interesse sobre a resposta do outro lado, que sugere uma indiferença profissional que hoje se vê espremida entre o pouco tempo disponível para a atenção individualizada e a conceituação de antieticidade do paternalismo.
A Bioética da Beira do leito interessa-se pela demarcação de linhas divisórias entre paternalismo brando e forte e pela integração do direito à autonomia com o paternalismo brando.
Qual é o médico doente que não desejou paternalismo do colega que o atendeu? Convenhamos, nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
O paternalismo brando contribui para que o paciente-leigo desacostumado com a situação e com excesso de vulnerabilidade, nocauteado por má-notícia, com o medo da condição humana ante o desconhecido e o potencial de sofrimento fique mais completamente esclarecido sobre a legitimidade tecnocientífica e a admissibilidade moral da conduta Ademais, o acolhimento do paternalismo brando coopera para evitar conotações de juízo moral, censura e repreensão na comunicação com o paciente.
No processo de consentimento pelo paciente, é aplicável a tríade de comportamentos validados pela transdisciplinaridade: rigor, abertura e tolerância. As ponderações ao paciente precisam ter o rigor tanto clínico enfeixado pelo raciocínio clínico a partir da anamnese, exame físico e exames complementares quanto o rigor tecnocientífico das validações atualizadas, por exemplo, em diretrizes clínicas de sociedades de especialidade. Ao mesmo tempo, as incertezas requerem a abertura o desconhecido, o imprevisível e o inevitável. Ademais, o direito dado ao paciente de se pronunciar sobre a recomendação exige a tolerância profissional.
Indubitavelmente, o Sim na boca do paciente é Sim nos ouvidos do médico e desencadeia a aplicação, caso contrário há o risco de uma caracterização de negligência profissional. Já o Não na boca do paciente é Não nos ouvidos do médico e deve impedir a aplicação imediata em respeito à dignidade da pessoa humana.
A prática na beira do leito coleciona uma série de Não provisório do paciente que reverte com segundos pensamentos, segundas opiniões e segundos aconselhamentos do círculo de relacionamentos do paciente. Por isso, o comportamento da tolerância deve focar na compreensão de razões da negativa.
Há duas reações de cunho narcísico que o médico deve evitar: A primeira é entender que o não consentimento significa uma reprovação ao seu saber. O paciente tem o direito de qualificar as expectativas em outro nível de realidade, entender a relação bem/mal a seu modo, e não desejar submeter-se às complexidades da medicina. A segunda é temer que a não aplicação da conduta pelo não consentimento do paciente possa ser interpretada por terceiros como ato de negligência profissional. Representa uma hipocondria moral fruto da formação enraizada para fazer e não para não fazer. O essencial é bem documentar as narrativas no prontuário do paciente. Não é uma vacina contra representações ao médico, mas se inclui na medicina defensiva justificada.