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621- Ligação ética (Parte 1)

DoençaValvarA imortalidade é uma seleção de pessoas pelo conceito que uma geração ensina as vindouras. O imortal Confucio (551ac-479ac) nos legou Estude o passado caso queira definir o futuro. Ultimamente, um determinismo tecnológico inovador tem dificultado qualquer conotação profética deste pensamento, ao mesmo tempo em que reforça o valor da vivência do passado para facilitar as transições, inclusive, as inesperadas.
O telefone é um fenômeno, certamente tecnológico, mas, também de exigência de atenção. Tocou, somos compelidos a atender, incomoda ficar ouvindo o toque indefinidamente. Algo como privilegiar a distância. Reduzir distâncias é um pressuposto clássico da relação médico-paciente. Admite vários sentidos – a distância do diagnóstico, a distância da cura, a distância de uma prevenção-, incluindo a da comunicação.  O Alô do médico ao atender o telefone adquiriu um alto simbolismo na expectativa da conexão médico-paciente.
Assim como o Livro de Medicina foi o método para embrionar o movimento do saber para perto do interessado, o telefone fixo primitivo foi método de partida para a germinação da telemedicina. Há evidências que o médico foi o primeiro ser humano a utilizar o telefone para fins profissionais. Na verdade, segundo relato de 1879, a prática foi inaugurada por uma avó que teria telefonado ao pediatra na madrugada temerosa que o neto estivesse com difteria. O médico, então, ouviu a tosse da criança, descartou o diagnóstico… e  voltou a dormir tranquilamente após a pioneira teleconsulta.
Um áudio sem imagem soava- literalmente- incompleto para o pensamento clássico do médico  e um artigo do Lancet de 1883 expôs a preocupação de médicos ingleses: Nosso temor é que o paciente pode por um penny nos consultar, haverá um abuso do privilégio, uma dúzia de telefonemas que substituirá a consulta.
Entretanto, as vantagens tornaram-se irresistíveis e poucos anos depois, o telefone já era visto de modo mais amigável, como instrumento de trabalho, pois permitia identificar tipos de voz e de tosse do paciente, prover a palavra aliviadora do médico e evitar o contágio direto da escarlatina. Um santo remédio com inusitada via de administrada, aplicado no ouvido com efeitos sistêmicos!
Pela descomunal participação na área da saúde, vale a pena um mergulho no uso do telefone fixo. Alguns aspectos do seu impacto na relação médico-paciente podem contribuir para adensar as bases de discussão sobre a expansão da telemedicina pelas disponibilidades de tecnologia digital e de computação. Justificativas para dar equivalências de presencial à comunicação à distância a bordo de expressões como o médico na palma da mão, o médico virtual e o robô médico. Uma motivação é que o telefone fixo não foi maldito como um competidor do médico, um sorrateiro substituto, ou seja, ele nunca provocou no médico a sensação de aposentadoria de seus órgãos dos sentidos, diligentes operários da inspeção anatômica e funcional, da percussão aprendida dos tonéis de vinho, da palpação que desperta a imaginação sobre um órgão e da ausculta que repercute o inglês Robert Hooke (1653-1703): os sons que os movimentos dos órgãos internos fazem permitem descobrir as tarefas efetuadas em vários escritórios e lojas do corpo humano, e daí reconhecer que instrumento ou máquina está com defeito.
continua na parte 2

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