Possíveis análises críticas desapaixonadas da medicina contemporânea concordam que o termo versus é impróprio e deve ser substituído pela noção de parceria, pois cada circunstância clínica no ecossistema da beira do leito tem sua hierarquia de utilidade dos meios bióticos e abióticos. Numa ilustração simples, na cólica renal, o facies de dor do paciente com a mão no flanco e inclinado para a frente é característico para o médico firmar o diagnóstico e o exame de imagem pela máquina é que pode fornecer os dados complementares sobre tamanho e localização do cálculo para guiar a conduta pós-analgesia. Um processo que exige o realismo da cena e a objetividade da documentação.
A perspectiva da presença da inteligência artificial na beira do leito – o robô de branco- obriga o médico a repensar sobre suas qualificações e perceber novas necessidades para uma sobrevivência profissional de incontestável utilidade. A soma das inteligências é o caminho da excelência que evita o imaginário de trechos de areia movediça que fariam o profissional atual perder o chão de costume.
Não faltam lacunas na medicina que fazem bem-vindas as transições de tão somente uma inteligência humana ineficiente como registrada na pintura The Doctor (1891) do inglês Samuel Luke Fildes (1844-1927)
com um médico à beira de um leito improvisado com cadeiras aparentemente sem uma solução para a paciente, para uma ampliação da inteligência em prol da resolutividade. Pela força do otimismo, vale pensar por analogia que se o telefone fixo unifuncional caminha para a extinção, o telefone portátil multifuncional está aí vendendo saúde…literalmente.
A Bioética da Beira do leito tem compromisso com a constituição de uma plataforma ética e legal para as interações de métodos e ferramentas que se sucedem de modo cada vez mais acelerado na cultura tecnocientífica da medicina. Pela irreversibilidade da chegada da inteligência artificial à beira do leito, cada médico deve enxergar o quanto de ajustes de competência se faz necessário, pois como dito pelo educador canadense Laurence Peter (1919-1988) competência, da mesma forma que verdade, beleza e lente de contato, está nos olhos de cada pessoa.
O reconhecimento do valor inclusivo da inteligência artificial aliado às providências profissionais de dignificação da pessoa do médico é essencial para evitar a advertência que Robôs farão de nós humanos seus animais de estimação. É útil para motivar o profissional da saúde a redirecionar desperdícios de energia em oposições para a alfabetização em tecnologia avançada, a imersão em concepções da economia aplicada à medicina, a capacitação sobre recursos para uso pelo paciente no próprio cuidado e sempre ter em mente que o ponto de partida de qualquer elemento do determinismo tecnológico é um ser humano, o que subentende que a programação da inteligência artificial está sujeita a vieses da máxima Herrar é Umano.
A Bioética da Beira do leito entende que a sinergia entre o humano e a tecnologia facilita o encontro da decisão tecnocientífica com maior grau de beneficência e não maleficência e qualifica a identificação de significados nas atitudes do paciente desde a anamnese até as reações evolutivas que ajudam nas escolhas de comunicação do médico. Menos tempo no processo de decisão acerca da tecnociência com eficiência pode significar mais tempo para a arte de aplicar a ciência, vale dizer para a reversão de dúvidas e temores do paciente… e do médico… e para o equilíbrio respeitoso no processo de consentimento livre e esclarecido.
Ciência e arte vivenciaram duelos históricos nos 26 séculos de medicina desde Hipócrates. Recém-chegados como a inteligência artificial, big data e machine learning parece pretenderem um pacto de não agressão, um encaminhamento pela divisão de responsabilidades sobre a tecnociência recomendável e a arte na aplicação, com foco na custo-efetividade e na segurança do paciente. Em prol da manutenção da liderança, a formação do médico deverá sofrer reestruturações a fim de capacitar um doutor em complementações de saberes longe da anatomia, histologia, farmacologia e que tais tradicionais!