Cada um nutre a sua maneira uma apreciação de contraditório e de inaceitável. Uma forte convicção anula uma visão de contradição sobre algo que se entende plenamente aceitável ou, ao contrário, faz enxergar incoerência numa atitude que se julga nada aceitável. A Bioética da Beira do leito preocupa-se com fatos da beira do leito que possam contradizer a lógica e possam criar uma clima de oposição à autoridade, credibilidade e legitimidade na atenção às necessidades de saúde.
Um elo essencial da ligação entre responsabilidade profissional e evolução clínica é o cumprimento das recomendações médicas pelo paciente. Todavia, a obrigação do médico de (bem) recomendar não requer a obrigação do paciente de (bem) cumprir. A visão de autonomia não percebe um contraditório, a visão de beneficência tende a uma inaceitabilidade e inconveniência e a visão de não maleficência é pela convicção de nem contraditório nem inaceitável.
Será que traz diferente responsabilidade profissional o caso de um paciente que na privacidade da sua residência lê a bula do medicamento receitado ambulatorialmente e não toma porque não gostou do que está escrito nas possíveis reações adversas e o do paciente em seu leito de hospital que se recusa a cumprir uma prescrição do médico que é o responsável por sua permanência internado? Será tão somente uma questão de possibilidade de reação ao conhecimento do fato?
Uma eventual análise ética e legal de má evolução clínica no primeiro caso concluirá muito provavelmente que o médico teve uma conduta prescritiva correta e que o limite de sua responsabilidade foi o esclarecimento ao entregar a receita ao paciente, enquanto que na apreciação do segundo caso será considerada a indivisibilidade das 24 h diárias da guarda da vida do paciente, especialmente quando a circunstância representar um após-procedimento manejado pelo médico. Nesta eventualidade, dir-se-á que o paciente teve uma má evolução pós-operatória e não uma má evolução pós-não cumprimento de recomendações médicas.
continua na parte 2