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595- O Jardineiro

Jardim é palavra eufônica e costuma trazer boas recordações visuais. O jardineiro é cuidador habitualmente jeitoso e criativo. Zygmunt Bauman (1925-2017) nos legou a  metáfora do jardineiro para uma atitude ideal da sociedade de estar sempre atenta e se esforçar pelo pretendido, não somente fazer reparos.

A beira do leito ao associar algo da saúde que precisa de atenção e confiança na capacidade da medicina em resolver enfermidades candidata-se a adotar a metáfora do jardineiro, vale dizer, o profissional da saúde mentalmente  almejando a harmonia e afastando conjunturas “ervas daninhas”.

A Bioética da Beira do leito interessa-se pelo cultivo das mais adequadas formas de desenvolvimento tecnocientífico e humano do profissionalismo à beira do leito. Assim, sua atuação abrange semeaduras, adubagens e arranjos com poder transformador sobre realidades da doença, uma cultura de conhecimentos e habilidades da medicina e comportamentos da condição humana.

O caráter moderador da Bioética da Beira do leito é útil no manejo do sentido utópico e da visão distópica do progresso da medicina, o movimento pendular entre o conceito que novidades a tudo progressivamente beneficiam e o desenvolvimento de preocupações com o potencial de desrespeito à pessoa.

Embora afirmação reducionista, diríamos que a Bioética da Beira do leito contribui para dar algum equilíbrio entre o humanismo  e seu natural sensível- A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano (Princípio fundamental I do Código de Ética Médica 2018)- e o tecnicismo e seu artificial insensível – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico (Princípio fundamental V)-, em meio à concepção de saúde como respeitosa convivência com aceitável qualidade de vida de diagnósticos de doenças- cada vez mais tornadas crônicas controladas.

Podemos pinçar da história da sucessão de gerações cada qual com suas peculiaridades éticas a constatação que quem semeia bons médicos colhe boa medicina. Contudo vantagens previstas pela caixa de ferramentas mais sortida das novas gerações são passíveis de restrições, pois nem todo efeito fisiopatológico, nem todo comportamento humano e nem toda aplicação dos métodos modernos podem ser absolutamente previsíveis. Por isso, a Bioética da Beira do leito é instrumento aconselhável para sustentar escolhas com evidentes ambivalências que dificultam aceitar expansões  e se conformar com limitações. De modo que se mentalizarmos a tomada de decisão em medicina para três pinos, um deles corresponde à bioética.

A preocupação de Van Rensselaer Potter no decorrer da segunda metade do século XX com os rumos da desumanização da medicina a reboque dos magníficos avanços da tecnologia persiste. Não obstante, a amplificação da crítica isenta de preconceitos e conflitos de interesse tem entrevisto boas perspectivas para o direcionamento das inovações de modo anti-autoritário, destituído da crueldade e, especialmente, refratário à indiferença (sim há males, mas…).

A Bioética da Beira do leito objetiva participar ativamente dos juízos sobre os encontros da beneficência com a maleficência das inovações em medicina e que tem permitido, felizmente, perceber a validade da metáfora do jardineiro na beira do leito. Felizmente, observa-se predomínio da excedência da vista de florescimento da beneficência em avaliações tecnocientíficas rigorosas e conscientes sobre conversões em adversidades “ervas daninhas”.

 

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