Não apenas o certificado de óbito como na finitude da vida de outrora. A Medicina contemporânea lida mais diretamente com um período de últimas condições de vida denominado de terminalidade.
É tema do ecossistema da beira do leito que se expande na crescente longevidade do ser humano pelo progresso da Medicina adsorvendo complexidades éticas e legais sobre um ainda futuro embora breve, pois a vida do paciente está prestes ao desaparecimento.
Não faltam sortes de diálogos médico-paciente a respeito da tríade Quero, Devo e Posso na duração curta da terminalidade da vida. O conjunto beneficia-se pelos esforços pró-humanização que direcionam pensamentos e atitudes para a mais possível naturalidade na emissão e recepção da ciência e da tradição pelos interlocutores.
As iniciativas para mútua compreensão entre profissional e leigo têm contribuído positivamente para elevar a taxa de consensualidade perante diferentes níveis de realidade que se manifestam na terminalidade da vida. Eles são gerados de um lado pela razão profissional e de outro pela imaginação/intuição leigas que, frequentemente, exibem contraposições. A Bioética interessa-se por esta beira do leito multidimensional cada vez mais municiada por uma abrangência transcultural que substitui reducionismos de outrora.
Um cenário com riqueza ética, moral e legal envolvendo a terminalidade da vida no ecossistema da beira do leito é o conflito entre o “nada eficiente a mais” da Medicina baseado na evidência tecnocientífica (falta) e na vivência profissional (acúmulo) e o “não ainda esgotado” de um pensamento leigo que procura preservar a própria vida em vias de extinção.
Entre esperanças e desesperanças no seio da conexão médico-paciente forma-se um “fator de realidade”. Ele é calibrado, caso a caso, momento a momento, por “certezas” tecnocientíficas compromissadas com a ética, esperanças humanas aprendidas da desobediência de Pandora e um maço de dúvidas “porque certezas são absurdos”. A dosimetria resulta do encontro entre a memória da experiência profissional que aprisiona e, habitualmente, desestimula caminhos alternativos e a imaginação do paciente/familiar estimulada por conceitos de vida que dá asas -embora a maioria seja as de Ícaro- para um livre pensar.
Dá-se um embate entre a racionalidade com risco do excesso que pode beirar à descortesia e a afetividade que corre ao encalço da fé reversora dos terríveis desapontamentos. Cabe ao exercício da prudência e ao zelo a responsabilidade de ajuizar os impactos das expansões afetivas e das limitações racionais sobre a potência de agir, vale dizer, sobre determinações a respeito de obstinação terapêutica e paliação.
O médico pode até compreender o Quero esperançoso do paciente, mas qualquer nível de reciprocidade de afetividade não costuma superar o seu compromisso com as possibilidades validadas. Questão crucial é a definição da dose de cada componente da mistura entre rigor tecnocientífico, abertura para o desconhecido e o inesperado e tolerância a opiniões contrárias, pois, no ecossistema da beira do leito, ao mesmo tempo que se deve respeitar a técnica e a ciência reconhecidas, não cabe sucumbir a uma ideologia cientificista e tecnicista. Recorde-se que médico e paciente não estão numa ilha deserta, ambos têm várias interdependências socioculturais que fazem com que um Sim ou um Não ao outro seja altamente influenciado e julgado pelo gregarismo do ser humano.
O termo desenganado sumiu do jargão médico. Ele tinha mesmo uma conotação autoritária e desumana e acabou rotulado visto como ofensivo à dignidade. humana. O paciente pode, entretanto, se sentir desenganado e, por não se conformar vai atrás de uma esperança. Em geral, o médico tende, então, a se afastar, mergulhado que está na ciência e deixa o acolhimento para a Humanização que habita a superfície.
Entretanto, existe uma situação intermediária que coloca paciente e médico sem perspectivas de reverter o péssimo prognóstico numa melhor combinação do Quero, Devo e Posso. Ela se realiza na possibilidade da modificação do “nada eficiente a mais” em favor do “não ainda esgotado” por uma flexibilização ao rigor científico dominante. Trata-se da aplicação do tratamento experimental, vale dizer, prover o acesso ao paciente a um método que se pretende beneficente, mas cuja progressão de pesquisa clínica não atingiu ainda os pre-requisitos para aprovação pelos órgãos reguladores.
Há uma reciprocidade num terreno eticamente polêmico a respeito de tomadas de decisão de exceção influenciadas por valores e objetivos de um paciente sob forte impacto emocional e, eventualmente, sob influência de circunstantes como familiares, médicos e indústria interessada. O consentimento do paciente para experimentar “o que for possível” é perfeitamente compreensível, contudo, colide com formas mais rígidas de entendimento sobre a moralidade da aplicação duplamente extremada, na compassividade e na indefinição sobre segurança para o paciente.