Será que a Bioética consegue encontrar alguma razoabilidade para os objetivos possíveis de serem desejados em conflitos médico-paciente no ecossistema da beira do leito? A resposta é alta chance de expor as lógicas pretendidas na afirmação da maioria deles. É útil para elevar o nível de compreensão mútua embora sem compromisso com a aceitação.
Não é incomum argumentações identificadas revelarem-se “malabarismos mentais”, manobras para prover um sentido pretendido e que, comumente, carregam o ônus de promoverem indeterminações, indecisões e propensões aparentemente admissíveis muito embora com potencial de contestação pelo senso comum. Haverá sempre algum ar de legitimidade em alegações que muitos não veem com bons olhos e classificam como “forçação de barra”, “desculpa esfarrapada” ou “saída pela tangente”.
Cenário ilustrativo é a escolha guiada por fortes impulsos emocionais que “pula pensamentos-filtros” e que superpõe impactos possíveis em único bloco. A resultante não tem como ser afirmada como a melhor decisão, mas uma eventual escolha antagônica centrada num passo a passo com certa lógica cairia num “absurdo” do mundo real. Em outras palavras, a desconstrução da contraposição é que dá validade à posição.
O residente é desrespeitado pelo paciente numa consulta ambulatorial e solicita a sua chefia que passe o caso para um colega. O passo-a-passo da contraposição à posição reivindicatória não consegue atingir nível administrativo ou ético indiscutível de amparo ao médico solicitante. Contudo, o teor das ameaças do paciente que faz lembrar tragédias já acontecidas derruba a lógica da contraposição que cada nova consulta, até porque conflituosa, será uma oportunidade de ganho de aprendizado para o residente.
Uma percepção convergida numa ênfase qualitativa – risco de dano físico- pode superar, pois, uma visão quantitativa baseada em cada um dos seus múltiplos componentes. Não é uma questão apriorística que 4 argumentos para um lado ganham de apenas um argumento para o outro, mas o reconhecimento da legitimidade de uma tomada de decisão conforme o modo com que uma violência foi “sentida” individualmente. É alerta contra a hierarquização de avalanches de intelectualizações compreensíveis nos fundamentos mas desatentas a sentidos pontuais do mundo real.
A possibilidade de o excesso de confiança na lógica vir a representar uma superioridade de apreciação não exatamente aconselhável lembra o paradoxo de movimento de Zenão de Eleia (?- 425 ac): Se o velocista Aquiles for disputar uma corrida com uma tartaruga deve ser aconselhado a não dar nenhuma vantagem inicial à oponente, pois, então, nunca a vencerá. Quando Aquiles atingir o ponto de onde a tartaruga partiu, esta já percorreu alguma distância e continuará na frente; quando Aquiles chegar neste segundo ponto, a tartaruga já estará num terceiro ponto adiante e, assim, ao infinito.
Não faltam paradoxos no ecossistema da beira do leito que reforçam o ponto de vista da Bioética que nem sempre a análise cuidadosa baseada em evidências sobrepuja uma síntese baseada em vivências. A busca do equilíbrio pode ser um trabalho de Sísifo, interminável, mas, no ecossistema da beira do leito nunca inútil.