Vontade (desejo+movimento) é termo que não se lê habitualmente em textos de Medicina. Pode até soar componente da “achologia”. Mas, a vontade do médico de modo irmanado com a (boa) intenção sustenta o grande pilar ético da prudência e do zelo. No seu impulso positivo, vontade do médico alinha-se com responsabilidade profissional, empatia autêntica pelo paciente, satisfação pela realização, ou até mesmo receio de gerar má imagem profissional. Não há nada mais anti-profissional do que uma expressão de má vontade num médico.
No ecossistema da beira do leito, a vontade lida com benefícios e malefícios, esperanças e frustrações, adições e contradições, coerências e paradoxos, harmonias e conflitos, autorizações e rejeições. A ética alerta para a inconveniência da vontade articulada com conflitos de interesse e com ganhos secundários.
A vontade profissional na beira do leito é essencialmente de natureza tecnocientífica e modulada, idealmente, pelo humanismo. Como a ciência não obedece a desejos, a vontade do médico de cuidar do paciente precisa aceitar que a sua capacidade de realizar o bem encerra o potencial de fazer algum mal. Na prática de um procedimento, é comum dizer não tenho vontade, mas preciso fazer. De fato, não apraz causar dor, por exemplo, mas, caso seja impossível executar de modo indolor, não se pode dizer que não há uma determinação, a busca de um objetivo, uma escolha, um empenho, todos sinônimos do ato de vontade.
A introjeção da vontade na obrigação de fazer do médico que se conjuga com a convicção treinada que eventuais males são necessários para alcançar os benefícios dificulta a aceitação do não consentimento da boca do paciente. O bem e o mal “perfeitamente” equilibrados no “é assim que precisa ocorrer” sofrem uma instabilização. O não do paciente, ao se referir a algum entendimento de mal, pode criar uma situação tal, que o médico não tem como oferecer tão somente o bem desejado.
É importante, então, o médico primeiro se conscientizar que a vontade geral da Medicina tem que respeitar a vontade individual do paciente e, ao mesmo tempo, esclarecer ao paciente que há critérios distintos para aceitar o bem e para aceitar o mal e que eles devem prover a máxima admissibilidade possível numa recomendação tecnocientífica. E, assim, estimular o paciente a aplicar da mesma forma seus julgamentos, procurando dissociar os juízos sobre o bem e sobre o mal. Tarefa difícil pela atmosfera emocional habitual, mas “impossibilidades possíveis” acontecem no ecossistema da beira do leito.
Não é ético desenvolver ginásticas mentais para envolver deselegantemente o paciente na realidade profissional do médico, mas, é ético procurar “emprestar” a sabedoria de quem está acostumado para facilitar o paciente a lidar com informações e avaliações a que não está acostumado e que podem estar sendo um bombardeio vindo de vários circunstantes. Não é, simplesmente, uma conscientização técnica de um leigo, vale muito a compreensão íntegra das motivações e provocar – com criatividade compassiva (nada humano é estranho) – novas conexões com valores, fiéis e sinceras, meios aceitáveis para trabalhar uma mudança de decisão.
É essencial admitir que vários níveis de realidade são passíveis de serem mentalizados no entorno de uma recomendação médica, e, assim, nada pode ser apenas unilateral, é necessário combinar qualquer visão cientificista e tecnicista generalizada com a autenticidade da visão humana individualizada.
O paternalismo fraco é um ato de solidariedade não exigente de um sucesso que poderia ser corrosivo, não condenatória da contraposição… e tem na raiz a boa vontade!