Estar médico ético contemporâneo é ser transdisciplinar. Faz-se necessário ir além das fronteiras da especialidade e transitar com alguma capacidade por outros saberes, inclusive alguns que não se aprendem numa Faculdade de Medicina. O alvo pode ser mentalizado como único prego, mas o martelo profissional precisa ser multicompetente. Curioso que os médicos antigos são apresentados pela História da Medicina como possuidores de amplos conhecimentos extra-Medicina. A exigência de maior tempo dedicado ao desenvolvimento da amplitude e profundidade da Medicina restringiu o médico, num primeiro momento, ao saber da sua área de competência. Novas disposições da sociedade valorizam pitadas de direito, economia, filosofia, psicologia, comunicação, entre outros.
O médico corre atrás de verdades conceituais e práticas. Para o desenho e o redesenho continuados do caso do paciente, lápis e borracha empunhados numa dinâmica estética, ele se envolve constantemente com suspeitas, formula hipóteses, revê possibilidades, busca novos modos de pensar, toma decisões, ajusta condutas, regojiza-se, frusta-se. Numa só palavra acolhe. Claro, o paciente, o ser humano que está sob seu responsabilidade profissional.
O médico constitui identidade profissional exercendo sua autoridade numa sucessão de experiências em torno de considerações de verdades de cunho tecnocientífico e conscientização sobre um fio condutor ético.
Diríamos que o médico capacita-se pelo esforço em desenvolver uma ordenação da beira do leito utilizando saber, habilidade e atitude. Lida com um equilíbrio instável entre desejos por benefícios reversores ou controladores de enfermidades e impedimentos por circunstâncias do corpo (comorbidades, modos de reagir) e da mente (não consentimento, não adesão) do paciente, bem como relativas à instituição de saúde e ao sistema de saúde.
Prudente no passo a passo experiente fruto de constante aperfeiçoamento, o médico ético sabe que o alcance do objetivo da travessia é multifatorial. A travessia inclui progressivos feedbacks de percepções e realizações.
O médico apropria-se do acervo da Medicina e o distribui segundo medidas justificadas a respeito de dimensão do efeito e probabilidade de certeza. Ele aplica métodos, observa resultados, ajusta e reajusta. Pensa, repensa, abandona ideias, renova recursos. Compartilha o desenvolvimento com o paciente, tolera contraposições, aclara, re-esclarece, explica o explicável, desculpa-se pelo inexplicável.
Toda esta movimentação faz com que o fio condutor possa se assemelhar a uma corda bamba em muitas ocasiões onde a complexidade associa-se a níveis distintos de realidade. Por isso, o valor de contar com uma rede protetora da imagem profissional. A sua função maior é acrescer tranquilidade, ou seja, saber que a travessia que faz com a máxima competência tecnocientífica está amparada por justificadas atitudes, e, evidentemente, nas quedas evitar danos profissionais. Alô Bioética!