Em diversas situações de interesse da Bioética, as palavras usadas pelo emissor precisam ser compreendidas pelo receptor, mas, não necessariamente, causar aceitação sobre o valor do conteúdo. Assim, entre entendimentos e desentendimentos de justificativas, o profissionalismo na beira do leito pode vir a requer apreciações críticas de natureza ética e legal sobre processos diagnósticos e terapêuticos que provocam única ou sucessivas contraposições.
Em nome de objetivos com foco mais beneficente ou mais não maleficente, há a geração de dúvidas sobre maneiras de praticar componentes da conduta, dificultando a tomada de decisão propositiva e/ou receptiva. Assim, uma recomendação “de livro” (termo hoje substituível por “de diretriz”), uma boa ideia baseada em experiência pessoal, um avanço organizacional elogiável, um salto de qualidade há muito aguardado, enfim, pretensões válidas em seu contexto, são passíveis de causar hesitações no “momento real” acerca da responsabilidade. Em decorrência, há o encaminhamento de solicitação de parecer, por exemplo, a um Comitê de Bioética.
Observa-se que novidades – pode ser algo a que não se está acostumado- acionam a liberdade de arbítrio daquele que vem a se tornar solicitante do parecer sobre alternativas opostas, bate a insegurança profissional e ele decide incluir a Bioética no olhar coletivo sobre os aspectos racionais. Almeja um “certificado” de legitimidade de caminhos, evita envolver-se com violências não muito claras à eticidade e à legalidade.
O método habitual empregado por um Comitê de Bioética ao receber a solicitação é, inicialmente, restringir a apreciação a um membro, nomeado como relator. A sua função é convergir a intenção hesitante do solicitante para a melhor integração possível com fundamentos de validade, quer normatizações, quer hábitos, quer necessidades de transgressões.
Após a reunião de conhecimentos e pensamentos numa peça comunicativa, a redação preliminar segue o passo seguinte que é a análise por um segundo parecerista dito revisor. A sua análise compreende a possibilidade de idas e vindas com o relator que resultam numa minuta de parecer a ser discutido em plenária.
Idealmente, o documento contém um conjunto de questões alinhadas com as dúvidas do solicitante e a gama de respostas orientadoras, cotejamentos de prós e contras, enquadramentos em normatizações obrigatórias, pinçamentos do acervo da literatura especializada, ou mesmo, reflexões próprias pertinentes.
É desejável que a redação possa transmitir um desenvolvimento lógico da apreciação para facilitar o acompanhamento e a organização das falas pelos membros da plenária, aliás, já a sintonia com o solicitante, contribuindo para a gradação da aceitação em função do reconhecimento de validade por se tratar de interpretações de verdades.
Ademais, é essencial que haja uma calibragem entre aproximações e distanciamentos do coletivo e do pessoal do relator/revisor em nome da legitimidade do parecer como orientação imparcial (não exigente de neutralidade). Relator e revisor podem ter uma atitude preferencial (não são neutros), mas a crítica exige a isenção desta influência (imparcialidade), a conscienciosa fundamentação dos por quês do quê se critica.
A plenária é o exercício da interdisciplinaridade multiprofissional, este tesouro da Bioética que confere valor a um Comitê de Bioética. Cada membro participa com a sua competência todos os dias enriquecida por fragmentos a dos demais e com a liberdade de expor seu entendimento. Na medida do possível, é útil em nome eficiência interativa, o compromisso de respeitar as estratificações já construídas sob maior tempo de avaliação pelo relator.
A vivência ensina que a eficiência da contribuição pessoal de cada membro passa por uma distribuição do tempo da crítica à exposição do relator/revisor que maximiza eventuais sugestões de ajustes que sejam com boas razões e tenha pouca verbalização sobre concordâncias, não mais que ênfases.
É comum sucederem-se conjunções aditivas (mas também), adversativas (porém), alternativas (ou), subordinativas (se) que tendem a enriquecer a abrangência e a profundidade de um parecer. Há momentos em que o recinto parece ter se tornado uma torre de Babel, mas com maior ou menor divergência, o parecer precisa ser finalizado. Cabe ao Coordenador do Comitê de Bioética após sua avaliação da completude dos feedbacks.
Aqui vem um ponto importante: o solicitante recebe o parecer que pode ter sido aprovado de modo não consensual, mas mediante uma votação com resultado apertado. Isto significa, em nome da Bioética, que pensamentos contrários à maioria não deixam de ser válidos, um conceito com a cara da Bioética.
Por isso, a Bioética da Beira do leito insiste que devemos evitar sempre uma rotulação de certo ou errado, após afastar violências éticas, morais ou legais, até mesmo fazer o solicitante receber no parecer um resumo das divergências dos membros, reproduzindo o que costuma acontecer quando um membro participa pessoalmente de uma discussão à beira do leito e faz sua análise ponderando argumentos de prós e de contras.