PUBLICAÇÕES DESDE 2014

513- Sobre o não de pacientes

Médicos seguem diretrizes clínicas elaboradas por Sociedades de especialidades. Elas são periodicamente renovadas  e ganharam atributo de exigência contemporânea das boas práticas em Medicina.

Pacientes não possuem, habitualmente, capacidade para emitir apreciação técnica sobre o conteúdo das diretrizes. Contudo, ele precisa manifestar consentimento ao conteúdo de diretrizes clínicas  que foi selecionado pelo médico por entender que seja aplicável.

O médico ético tem, então, de desenvolver uma “tradução simultânea” que passe o sentido tecnocientífico das diretrizes clínicas para a linguagem que o paciente consiga compreender, analisar e devolver como aceite ou não.

Na prática, as transposições constituem tarefa multifacetada com vários níveis possíveis de aprofundamento sobre detalhes. Deve-se entender que a consideração que houve de fato o esclarecimento por parte do paciente, comumente, refere-se, tão somente, à parte exposta do iceberg. Os pormenores sobre doses de medicamentos, técnicas de cirurgia, calibragem de máquinas, frequência de controles, por exemplo, ficam na parte submersa que corresponde a uma “carta branca” para o médico e equipe.

A desejável assimilação do sentido do que é exposto nas diretrizes clínicas proporcionada pela diligente comunicação médico-paciente qualifica-se pela integração quantum satis de visão de diagnóstico, expectativa terapêutica e perspectiva de prognóstico. A exposição do médico em interação atenta ao paciente inclui o valor pedagógico da análise comparativa sobre os panoramas, quer com a realização do recomendado (total ou parcialmente), quer sob o nilismo (deixar progredir a história natural da enfermidade).

Por isso, a exposição do médico que se sente com responsabilidade sobre a atenção às necessidades de saúde do paciente nunca deve ser rotulada de neutra. Explica-se porque ele  apresenta a sua decisão  já com a orientação estruturada e em conformidade com as diretrizes clínicas e com a filtragem de segurança individual do paciente (impacto de peculiaridades e comorbidades). De fato, a simples adoção da estratégia que expõe ao paciente configura por si a sua preferência tecnocientífica, a convicção que o que está indicando é útil e eficaz para o manejo das disfunções, danos, sofrimentos, incapacitações de âmbito biológico e/ou psicológico. Pode-se dizer, então, que a relação de fato humana admite que o médico torça para que a sua decisão tenha perfeita articulação com os desejos, preferências, objetivos e valores do paciente. Neutro não, mas jamais parcial.

O espírito regente do princípio da autonomia como direito de participação com liberdade ao próprio juízo crítico exige a imparcialidade do médico no processo de consentimento pelo paciente. Dentro da figura da “tradução simultânea”, os pensamentos do médico sobre sua decisão orientadora já alinhavada para aplicação devem ser  “copiados” para o paciente, constituindo  matéria prima da exposição imparcial sobre prós e contras. Quaisquer desequilíbrios por desvios de foco ou por omissões propositais (“forçar a barra na direção da resposta desejada”) estarão na contramão da ética deste início do século XXI. Como se sabe, comportamentos profissionais distorcidos por ganhos secundários e conflitos de interesse descambam para a excedência à justificável falta de neutralidade  e, passam a conviver com corrupções da imparcialidade.

No caso de não consentimento pelo paciente à recomendação médica, esgotadas as extensões de esclarecimentos dentro da concepção de paternalismo fraco, sem mudança da opinião do paciente, a Bioética da Beira do leito enfatiza que Não é Não. É não a ser interpretado como negação ao emprego do conteúdo das diretrizes clínicas, jamais, em condições normais de ética e legalidade, como impugnação da pessoa do médico que se conduz pela moralidade.

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