A Janela de Overton (Joseph J. Overton, 1960-2003) refere-se ao trabalho de mudar a opinião -pública, por exemplo- em função de certos interesses políticos. Assim, a janela pode ser deslocada no eixo Proibido, proibido com ressalvas, neutro, permitido com ressalvas e permitido, em ambos os sentidos. Estratégias não faltam para a obtenção de novos cenários pretendidos na sociedade.
Ideia correlata é a das três esferas concêntricas de Hallin (Daniel C. Hallin, nascido em 1953), que, associada mais especificamente ao jornalismo, reúne a esfera do consenso que concentra as concordâncias de opinião, a esfera da controvérsia justificada, onde cabe uma legítima discussão sobre contraposições de representantes da sociedade- e o jornalismo deve ficar neutro- e a esfera do desvio, onde os temas pretendidos para debate carecem de objetividade para a circunstância.
Entendo que a duas figuras acima podem ser adaptadas para o processo de tomada de decisão em Medicina. Se a finalidade original pode se associar a motivos não necessariamente meritórios, elas cabem na beira o leito com a meritória finalidade de contribuir para o exercício de um justo paternalismo fraco pelo médico. Ajudam ao desenvolvimento de uma comunicação ética oportuna não somente por ocasião de não consentimentos iniciais do paciente que se deseja rever, como também frente a solicitações do paciente que não encontram respaldo para aceitação pelo médico nas práticas éticas da Medicina, inclusive por objeção de consciência.
Assim, começando com as referidas esferas, uma tomada de decisão na beira do leito pode necessitar da articulação entre pontos de consenso entre médico e paciente, pontos com distintos ângulos de visão e pontos desviantes. Por exemplo, o paciente concorda com a indicação de um procedimento invasivo, o médico entende que deve ser realizado de pronto para evitar agravamento da situação clínica e o paciente prefere realizar mais adiante (esfera de contraposição), em função de um alegado imprescindível cumprimento de um compromisso imediato(esfera desviante). É situação em que o médico deve se manter objetivo com a circunstância clínica do paciente e equilibrado com as boas práticas da Medicina, especialmente se a atenção ao eventual “desvio” – o compromisso inadiável- tem o potencial de comprometer o prognóstico da intervenção.
Por outro lado, médico e paciente podem concordar com vários aspectos da enfermidade, como necessidades terapêuticas e preventivas, mas a análise do risco de adversidades em relação a benefícios de momento faz com o que o médico recomende que se mantenha a doença ainda sob observação, enquanto o paciente manifesta preocupação acerca de uma evolução conturbada que se assemelhe ao que presenciou de um parente ou amigo (esfera de legítimo debate), reforçada pela “consulta” ao Tarô feita pelo cônjuge (esfera desviante).
Em relação à janela de Overton, muitas vezes o paciente rejeita a orientação de tomada de decisão proposta pelo médico e, evidentemente, tem suas razões. Mas, estas podem não ser tão sólidas a ponto de não admitir nova rodada de esclarecimentos e pensamentos. Desenvolve-se, daí, um processo que faz a “proibição” para o ato recomendado pelo médico caminhar na direção da “permissão”, sob aceleração variável, que está afinado com a aplicação do paternalismo fraco pelo médico. O deslocamento da janela de visão faz-se sem proibições ou coerções, apenas sob efeito das influências sobre as bases de decisão do paciente e, evidentemente, sempre com a intenção ética de atender aos melhores interesses do paciente. O deslocamento corresponde a um período de tempo perfeitamente admissível em se tratando de ajuste das inquietações sobre reais benefícios da ciência à condição humana.
A Bioética da Beira do leito coleciona casos onde uma primeira decisão do paciente de impensável, baixa o seu radicalismo para aceitável, segue-se uma postura de sensível à recomendação e, finalmente, torna-se desemboca em decisão consentida. Não é raro que o caminho seja percorrido tão somente após o agravamento de um quadro clínico até então estável, motivado pelos efeitos da piora da disfunção, acentuação do desconforto e expansão da incapacidade, bastantes para convencer o paciente da conveniência do recomendado pelo médico. Ademais, a insistência nos limites da ética pode trazer para o debate circunstantes até então indiferentes.
Ressalte-se que ajustes da concepção da janela de Overton na beira do leito não carregam nenhuma conotação de oposição ao princípio da autonomia, a tolerância é mantida, não se trata de “não é permitido não consentir” ou técnica de mudança de opinião com furtividade. Trata-se do desenvolvimento de uma nova oportunidade para que o paciente se reconheça- ou não- desejoso e preparado para se submeter a métodos tecnocientíficos validados pela Medicina como vantajosos para o seu caso clínico com base em mais esclarecimentos sobre prós e contras, mais discussões fundamentadas, mais apreciações críticas.
A Bioética da Beira do leito entende que o deslocamento da janela de Overton aliado à justa interação das esferas de Hallin que é executado sob o rigor da ética possibilita melhor equilíbrio entre o potencial de benefícios da Medicina e a pluralidade da condição humana frente às incertezas, temores e acentuação da vulnerabilidade de modo geral.