PUBLICAÇÕES DESDE 2014

507- Resiliência anti-burnout

HF
Herbert Freudenberger
burnout
Crédito: http://cpers.com.br/sindrome-de-burnout/

A síndrome do burnout (Herbert Freudenberger, 1926-1999) é coisa séria, espreita médicos que atuam em contato permanente com problemas alheios e com responsabilidade de prover soluções e provoca um declive escorregadio pessoal e profissional. A sua incidência cresce em todo o mundo. É insidioso, expressa-se por exaustão mental, dificuldade de concentração, distanciamento, “coisificação” da pessoa, queda das realizações e pode desembocar na depressão. De certa forma, revela-se como uma progressiva exacerbação do tradicional mecanismo de defesa profissional  de evitação de envolvimento mais profundo com o paciente, a calculada manifestação de contenção da compaixão que resvala na desumanização.

Quando se estudam as causas da síndrome do burnout do médico, observam-se  casos cujo comprometimento da saúde psíquica pode estar relacionado à sucessão de desapontamentos profissionais, reações individuais geradas por inóspita interação do complexa convívio entre um galopante estado da arte da Medicina, uma monstruosa diversidade de preferências, desejos, objetivos e valores dos pacientes, uma coleção de resvalos em familiares e uma gama de nem sempre amigáveis imposições e contraposições das instituições de saúde e do sistema de saúde, inclusive dos colegas. É pauleira por todos os lados desafiadora do equilíbrio emocional.

A complexidade no trato com o ecossistema da beira do leito inclui a necessidade da percepção da dualidade saúde-doença como um contínuo em níveis distintos de realidade, superposição de circunstâncias. Atualizações e projeções associadas a observações e a pensamentos sucedem-se num vaivém eticoprofissional visando ao melhor resultado possibilitado pelo momento tecnocientífico.

Há o nível circunstancial da prescrição da recomendação validada, globalizada, baseada em evidências científicas de peso na busca da verdade, há o nível circunstancial do quantum de disponibilidade da aplicação pelo sistema vigente, há o nível circunstancial da segurança biológica do paciente ao receber benefício presumido, centrado em chances de colisão por adversidades inadmissíveis, há o nível circunstancial do consentimento livre e (bem)esclarecido (pelo médico) do paciente, há o nível circunstancial da evolução com maior ou menor grau de sobreposição ao projetado, há o nível circunstancial do grau de satisfação do paciente, não necessariamente consonante com o do médico.

Assim, cada caso torna-se uma combinação peculiar destes contextos passíveis de determinar impactos perturbadores na vida do médico que podem se  constituir em etiopatogenia da síndrome do burnout. Nesta era de pós-modernidade e pós-verdade, a profilaxia desta modalidade de abalo parece se beneficiar da consciência de estar se comportando com rigor tecnocientífico na beira do leito, mas, atento a concessões circunstanciais que, permitidas pela ética, evitem um formalismo excessivo que gera distância do paciente, uma rigidez de definições auto e heteronômicas que dificulta flexibilizações de natureza humana e um absolutismo de objetividade, aquele cientificismo narcisista que, não somente, dá ares de arrogância, como também vira as costas para a sabedoria da abertura ao desconhecido e ao imprevisível e da tolerância a contraposições de opinião. Rigor, abertura e tolerância são matéria prima na construção do bumerangue que ao atingir positivamente o psíquico do paciente retorna com igual efeito no médico. A construção deste bumerangue é, na verdade, a construção do ser médico para estar e fazer-se um saudável profissional.

A Bioética da Beira do leito interessa-se pela prática da Medicina e outras formas de saber admissíveis ao caso que se faz num ecossistema que tem um ser humano (o médico) com deveres profissionais éticos, morais, legais, administrativos, sociais, econômicos nem sempre em harmonia entre si  e um ser humano (paciente) com substratos pessoais peculiares e com sua vulnerabilidade acentuada pela enfermidade. A Bioética da Beira do leito alerta que nunca haverá certeza do que irá acontecer, por isso, valoriza a necessidade da resiliência, esta propriedade de “resistir a deformações” que representa uma prudência do profissionalismo. O controle resiliente estabelece barreiras que proporcionam o menor preço possível para a inevitabilidade etiopatogênica do exercício profissional sobre a saúde mental do médico.

A segurança profissional, no amplo sentido da certeza que se aplica boa Medicina e atenção ao paciente e da boa qualidade da infraestrutura é componente da força tarefa anti-afronta moral e anti-burnout. Um grande alerta para a construção do ser médico pelo jovem, dentro da máxima que é de pequeno que se torce o pepino. Um reforço para a observância do Princípio fundamental III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.

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