A beira do leito é um ecossistema que está sempre em busca do equilíbrio. Por um lado, ele abriga a esperança do paciente na eficiência da Medicina, por outro, o seu temor por um resultado indesejado. No entremeio, existe o empenho do médico pelo melhor para o momento do caso e a expectativa histórica pelo ainda melhor para o futuro de casos semelhantes.
A beira do leito representa o saber da Medicina como núcleo e veículo de um poder social, cultural político e econômico presumido sempre no sentido de vantagens para ao ser humano do ecossistema e, por isso, exigente da crítica permanente do vigente e das perspectivas da inovação e da renovação.
Cada geração de médicos que atua para o equilíbrio adianta-se pelas conquistas inovadoras e transformadoras e, ao mesmo tempo, está atrasada em relação a métodos vindouros mais beneficentes. Realidades e anseios que constituem a chamada Medicina (sempre) em progresso, muito embora, ressalve-se, inclua certos retrocessos, por exemplo, os reconhecidos nas últimas décadas no âmbito da relação humana. E como se sabe, esta é essencial para a harmonia do ecossistema.
Atualizações e projeções esperançosas sobre ideias e pesquisas precisam estar em coexistência, inclusive provocando sensações de contradição. Elas são possíveis pois se apresentam em níveis diferentes de realidade, observa-se o vigente e imagina-se o promissor.
Na verdade, médico e paciente apresentam-se eternos hóspedes de momentos provisórios da Medicina numa beira do leito sob rearrumações consecutivas que mesclam o clássico – assim estabelecido por sobreviver ao filtro do tempo- e a inovação abalizada pelas pesquisas e ainda necessitada da filtragem da experiência assistencial tempo dependente.
Não é nenhuma novidade, da formatura à aposentadoria, o médico se preza como profissional capacitando-se a ser médico, estar médico e fazer-se médico. São comportamentos complementares, cada qual dando contribuição variável perante as circunstâncias, perseguindo verdades e perseguido por inaplicabilidades.
Somos médicos porque possuímos um número de CRM válido, o que, obviamente, é, por si só, insuficiente para o papel no ecossistema da beira do leito. Estamos médicos porque nos debruçamos sobre facetas da Medicina influentes no equilíbrio biótico/abiótico e nos fazemos médicos porque nos empenhamos para acontecer Medicina no ecossistema da beira do leito.
Valoriza-se o profissionalismo que sustenta o diagnosticar, tratar e prevenir no simbolismo do Juramento de Hipócrates à formatura que segue, dia após dia, como dever moral de um ser humano cuidando de outro ser humano, vale dizer, respeitando valores e expectativas.
No trânsito pela beira do leito atrelado a doenças e a doentes, o médico desenvolve suas interações, idealmente, na mais adequada calibragem entre nível de participação clinicamente efetiva e sentimentalmente afetiva e nível de satisfação quanto à realização dos próprios desafios intelectuais. Má calibragens suscitam frustrações, desapontamentos morais e burnout de um lado, e narcisismos inconvenientes por outro, quando o interior pessoal fala indevidamente mais alto do que o exterior profissional. A medida precisa ser compromissada com a moralidade- conformidade com regras e valores. Por isso, a importância da aplicação de linhas mestras do alto profissionalismo, fios condutores retesados num nível de tensão do ser/estar/fazer-se médico apropriado para a circunstância.
Há várias combinações de promotores de retesamento profissional. Uma delas forma-se pela reunião de 10 acionamentos do raciocínio coincidentemente iniciados pela letra vê: Volume de informações; Variedade de expressões da doença e da condição humana; Velocidade de atualização e de tomada de decisão (Emergência, urgência e eletivo); Veracidade clínica e tecnocientífica; Validade das evidências; Valores tradicionais da beira do leito; Vínculo médico-paciente; Vulnerabilidade do ser humano; Vontade como associação entre desejos e movimentos; Visão profissional.