O paradoxo da tolerância é precisar tolerar o intolerável. Mas será que é preciso? Na beira do leito, este aspecto ganha cores próprias. A formação do médico cria uma tendência à intolerância, pois a opinião técnica não poderia ser menos considerável do que a do leigo. Contudo, o médico orienta, propõe, aconselha, ele não impõe contra a vontade do paciente. Assim, a maturidade profissional desenvolve o exercício da tolerância ao não consentimento do paciente. Tolerância que de certa maneira significa perda do poder, voltar-se contra si mesmo, a própria convicção – mas pelo objetivo de se por a favor da vontade do paciente. Aprende-se também que o ato de tolerar não exclui responsabilizar-se pelo que persiste ao alcance- como, por exemplo, emitir uma receita médica para o paciente de alta a pedido.
O não consentimento por parte do paciente não significa exatamente falta de crença na Medicina ou na expertise do médico, mais do que um aspecto da emissão, é uma perspectiva da recepção. Diríamos que a concessão do número de CRM pela sociedade como autorização para o exercício da Medicina contém a norma que o médico se obriga a recomendar e o paciente não se obriga a acatar. Mas, convenhamos, não consentimento definitivo é reação minoritária. Entretanto, é pavio para conflagrar a beira do leito.
A prática da prudência no processo de tomada de decisão conjuga-se à tolerância de admitir ajustes ou mesmo de renúncia à aplicação de um procedimento definitivamente não consentido pelo paciente. Esta dualidade liga-se ao princípio da Autonomia, importante alicerce da Bioética.
No caminho do atendimento às necessidades de saúde do paciente com rigor tecnocientífico, promoção da beneficência, cuidados com a segurança biológica, abertura para imprevisibilidades, o médico dispor-se a tolerar um não em nome do direito à autonomia representa a obediência deontológica à Prudência, mais do que isso, a disposição interior de cuidar de um ser humano como outro ser humano.