Jovens médicos costumam ficar hesitantes – e curiosos- quando lhes digo que a tolerância é virtude patrimoniada no número de CRM a ser praticada como fundamento do binômio autonomia-consentimento na beira do leito. É compreensível. Há uma tensão inevitável entre um aprendizado condicionado ao fazer o benefício – em disponibilidade tão tecno cientificamente galopante quanto profissionalmente inebriante- e topar com realidades de recusa a uma aplicação pelo paciente, por exemplo, terapêutica, ao final de um processo trabalhoso de investigação diagnóstica sustentada por um manejo ético da Medicina. É frustrante para senso profissional.
O esclarecimento pedagógico que se faz necessário é que existe um exterior interpessoal comum a ambos – médico e paciente- determinado pela enfermidade que o paciente manifesta como sintomas e sinais e o médico interpreta examinando à luz de conhecimentos disciplinares. Mas, ao mesmo tempo, os interiores de ambos reagem na intenção de fazer – ou não fazer- de modos distintos, eles não compartilham propósito como fazem na dimensão exterior. Algo como o velho Há doentes, não doenças com roupagem contemporânea estilizada pela Bioética. Responsabilidade profissional de diagnosticar e orientar terapêutica e prevenção e direito do paciente de ignorar, rejeitar, descumprir.
O treinamento nuclear do médico no entendimento da Bioética da Beira do leito deve incluir como conhecer as disciplinas já aprendendo como as (não)aplicar em face do reconhecimento das circunstâncias do mundo real da beira do leito e, ao mesmo tempo, a conscientização que este conhecimento o faz tão somente um profissional com saberes disciplinares, e, assim, se desejar ser eficiente profissionalmente, precisa integrá-lo ao desenvolvimento de habilidades voltadas para a boa convivência com o paciente. Evidentemente, o conceito de boa convivência admite pluralidade.
Uma das habilidades de conexão profissional é, justamente, o exercício da acima mencionada tolerância, virtude do respeito a opinião divergente. Percebe-se desejável que, na beira do leito, a prática da tolerância pelo médico a uma contraposição do paciente impõe num primeiro momento uma tentativa de compreensão do interior do seu interlocutor. O interior do médico que profissionalmente sensível ao exterior, sente-se “humanamente” estimulado a interagir com o interior do paciente num trabalho de “catequese” sem subterfúgios, sem proibições, sem coerções. Pureza ética no grau maior das possibilidades.
Por isso, ressalta da Bioética da Beira do leito que a disposição para o fim superior do exercício da tolerância não deve se resumir a simples anotação de uma negativa, “burocrática”, indiferente, destituída de empatia, desmotivada para qualquer compreensão que possa direcionar para novas apreciações pelo paciente, enfim, desestimulante ao diálogo.
Em outras palavras, o ser tolerante profissionalmente significa que estar médico ético inclui colocar o seu interior a serviço de uma compreensão do interior do paciente, afastar qualquer grau de indiferença e viabilizar o prosseguimento de argumentação paternalista fraca. Não será nenhum desrespeito ao direito de autonomia do paciente. A prudência do aguardo da obtenção do consentimento “congela” o zelo da aplicação.
Subentende-se, entretanto, que o paciente esteja plenamente capaz, caso contrário, a sua opinião, o seu eventual não consentimento não deve ser objeto do exercício da tolerância pela inaplicabilidade do binômio autonomia-consentimento.