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494- Autonomia genuína e solilóquio

Uma forma de considerar a Autonomia do paciente é admitir que o conhecimento da proposição que lhe faz o médico será por ele relacionado a sua essência de ser humano, cidadão, mortal e uma real absorção do tecnicamente esclarecido determinará um equilíbrio consigo, uma incorporação individualizada bem compreendida, a ser resumida na expressão final de um (não)consentimento.

Esta reflexão subentende que o paciente passa a saber, torna-se ele mesmo o conhecimento -embora em nível mais superficial- e que, ademais, sabe como fazer a devida compreensão. Paciente de fato autônomo como personificação de autenticidade de desejo/preferência, sincero quanto a objetivos e valores, necessita expandir pensamentos, deixar-se tocar por sentimentos e dispor-se a realizar movimentos no processo do consentimento.

O consentimento genuíno do paciente deve ser exercido de forma independente, ou seja, precisa de uma heteronomia de liberdade e de esclarecimento pelos circunstantes, contudo, carece, também, de liberdade e apreciações ativas do seu interior racional, sensível a emoções e energizador- ou não- de percursos.

Diferenciar se houve pelo paciente tão somente o conhecimento da proposição ou, a sua transformação em incorporação é capital, pois dá a medida da harmonia entre o que receberá e o que almeja receber.

A Bioética da Beira do leito entende que não basta o paciente conhecer as recomendações com detalhes, os potenciais de benefícios e adversidades, é desejável que ele as compreenda pelo fio condutor representado pela maior proporção da essência do seu ser, a sua real condição humana.

Todavia, no mundo real da beira do leito, é comum predominar um “eu” de momento, vulnerável a heteronomias, um “eu” influenciável, um “eu” que não se sente à vontade para assumir responsabilidade “sozinho”. Por isso, é praticado um consentimento de boneco de ventríloquo, ilusoriamente autonômico, onde decisivas influências externas resultam travestidas como opiniões de valor aconselhador.

É de se presumir que lacunas de autenticidade no consentimento constituam matéria-prima para manifestação de insatisfação por eventuais frustrações de um novo “eu” de um momento de má evolução em relação à expectativa do “eu” que sustentou o consentimento. Razão para crer que por mais que a Medicina constitua uma ciência voltada para o bem da humanidade, tranquilizadora e libertadora, ela carrega por suas obliquidades de iatrogenia, um misterioso quê de violência do médico e de escravidão do paciente. Uma dupla que se faz suportável pelo entendimento de meio de superação de um mal maior. Nunca elas devem ser eticamente injustificáveis. Sempre idealmente sustentadas pela genuína expressão autônoma de consentimento pelo paciente. Um Sim ou Não por convicção, o autorreconhecimento do propósito pelo solilóquio.

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