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PUBLICAÇÕES DESDE 2014

472- Bioética e analogias de diretrizes clínicas

O Código de Ética Médica vigente diz que É vedado ao médico deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou (Art. 3º). Não faltam situações onde maus resultados provocam acusações de má prática e representações visando a  punições de natureza ética, civil e penal do médico.  Justificativas do profissional denunciado sobre o acerto da sua conduta incluem a conformidade com o teor de diretrizes clínicas atualizadas.

Deseja-se demonstrar, desta maneira,  que houve a aplicação da prudência, não somente como a cautela de se valer de uma varredura na literatura facilitada pela sociedade de especialidade que sustenta a diretriz clínica, como também a ponderação sobre eventuais necessidades de  ajustes em nome da segurança biológica do paciente.

Sou da geração de médicos que  testemunhou a aplicação de diretrizes clínicas – inicialmente nomeadas indevidamente como consensos- como inovação tendo a Medicina baseada em Evidências como forte mecenas. A geração atual de médicos já nasce reconhecendo a consagração das diretrizes clínicas.

Por isso, verifica-se que o sentido do uso de diretrizes clínicas oscila desde o de orientação como bússolas (deveria modernizar para GPS?) até o de algemas que unem à autoridade científica. É da ética, do reconhecimento do aforisma que há doentes e não doenças e da compreensão que a experiência pessoal  tem valor frente a contraposições com diretrizes clínicas que, ao mesmo tempo em que  devemos nos colocar nos braços de diretrizes clínicas, temos que nos cuidar para não ficar nas suas mãos.

A utilidade das diretrizes inclui a de guia para: a) aplicação do estado da arte que, entretanto, deve ser internalizado, ou seja, o conteúdo deve acrescer elos na cadeia do já conhecimento do médico e não funcionar como uma grande máscara sobre o amplo desconhecimento sobre o tema;  b) clarificação sintética sobre o universo de dados e fatos colecionados na literatura e as interpretações como evidências; c) visão de conjunto, orientação para o aprofundamento sobre as bases científicas.

Vale a pena, em nome do processo de adoção da Bioética, recordar alguns pensamentos a respeito das idas-e-vindas da aceitação crítica de diretrizes clínicas. Eles acompanharam a globalização da responsabilidade moral da aplicação, o valor do entendimento que verdades tecnocientíficas são provisórias e rapidamente necessitam de um olhar de atualização que transcende  capacidades individuais e exige comités circunscritos, o reconhecimento da legitimidade da saudável retroalimentação pelas pesquisas clínicas, qual bumerangue translacional que vai com uma pergunta e volta com uma resposta, a conscientização sobre a concepção de condutas clínicas como desenhos empíricos por lápis e borracha em sucessivas reformulações.

Destaco cinco apreciações das diretrizes clínicas em correspondência com fatos do cotidiano:

Analogia 1- Receita de bolo

Muito embora as diretrizes clínicas ajustem ingredientes  do benefício, é preciso  considerar a pluralidade do caráter biológico e humano da Medicina para por a mão na massa. É essencial que haja o comprometimento sobre eventuais ajustes sustentado pelo potencial de adversidades e preferências do paciente, vale dizer, estar familiarizado com a prática de um ser humano cuidando de outro ser humano.

Analogia 2- Arte do ventríloquo

Como  as diretrizes clínicas apresentam-se como voz da literatura, adotá-las significa que elas abrem a boca do médico para a emissão da literatura. Por isso, em caso de mau resultado, culpar a recomendação  da diretriz clínica é como atribuir um insucesso ao boneco do ventríloquo.

Analogia  3- Efeito Peter Pan

Diretrizes clínicas utilizadas de modo superficial, numa aceitação passiva sem crítica, carregam a possibilidade de inibir o crescimento da capacitação profissional.

Analogia  4- Comportamento Flauta Mágica

A aplicação de diretrizes clínicas desajustadas das realidades daquele paciente em atendimento pode vir a ser tanto o movimento que “elimina os ratos”, quanto aquele que ” faz desaparecer as crianças”. A lição recorrente é que ajustes individuais precisam ser sempre cogitados.

Analogia  5- Efeito camaleão

A aplicação da conduta segundo diretrizes clínicas necessita integrar-se a circunstâncias de momento, ao histórico do paciente e a perspectivas do prognóstico. Vale dizer, a flexibilidade é atributo essencial ao uso das diretrizes clínicas, o que toca nos limites da liberdade profissional do médico. Destaque-se que esta analogia não se restringe  ao mimetismo, mas compreende também a movimentação independente dos olhos do camaleão, ou seja, a educação dos olhos do médico para observar as peculiaridades do paciente e estruturar os ajustes.

Enfim, se as diretrizes clínicas representam mapa das evidências sobre o caminho das pedras, virtualidade de precisão, é a habitualidade do envolvimento com atendimentos de pacientes que ensina os “pulos do gato” adaptativos a cada pedra de cada percurso.

 

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