A Medicina baseada em evidências eclodida na década de 80 do século passado impactou no nível de hierarquia entre a evidência científica obtida em pesquisas clínicas e a opinião baseada em experiência na assistência. Os dois aliados tradicionais, o médico e a Medicina, viram-se em tensão sobre o controle da tomada de decisão em condutas. Em termos práticos, uma Sociedade de especialidade interpôs-se entre conclusões de pesquisas e as avaliações de suas aplicações pela cabeça de cada médico.
Um grupo selecionado de especialistas passou a ditar a Medicina a ser cumprida pelo médico, expressão do estado da arte. Tomadas de decisão ficaram assim justificadas como de uma Medicina mais competente, enquanto que a liberdade do médico ficou contida. A virtude da prudência, pilar essencial de Ética médica sustentada pela beneficência da utilidade, pela não maleficência que cuida da segurança na aplicação e pela autonomia que respeita os desejos do paciente para o seu futuro, tornou-se fortemente associada a traduções globais das pesquisas para a beira do leito. Depois de um período adaptativo, há consenso que todos se beneficiaram, a imagem da Medicina, a competência do médico e a saúde do paciente. Evidentemente, cada situação merece ajustes e nem toda situação tem ajuda de evidências científicas obtidas em pesquisa clínica, o que reforça o valor da formação científica, técnica e humanística do médico contemporâneo.
A inovação na Medicina passou a requerer um aval coletivo, caso contrário criatividades e realidades porventura resultantes num círculo fechado não adquirem chancela ética. Mutatis mutandis, as diretrizes clínicas assemelham- se a redes sociais da Medicina em contraponto às velhas Escolas tradicionais de médicos que atraiam estudantes.
Neste contexto, um mérito da Medicina baseada em evidências foi evitar que o conservadorismo das Escolas tradicionais classificasse certas inovações como heresias a uma certa soberania. Os médicos formados há alguns anos e com seu profissionalismo sedimentado logo entenderam que deveriam absorver as evidências organizadas, caso contrário, ficariam dissociados do tipo de Medicina emergente com os mais jovens.
Atualmente, há a previsão de que Medicina de precisão, big data e inteligência cognitiva transformarão a Medicina, um enorme salto de qualidade sustentado por informações preciosas para beneficiar o prognóstico. Novas hierarquias de organização da Medicina se constituirão, não necessariamente com participação majoritária do médico. Mutatis mutandi, a tecnologia avançadíssima tal como redes sociais da Medicina controlarão o comportamento do médico.
A Bioética tem muitas perguntas sobre o modelo que se afigura inevitável, como um mundo melhor com expectativas sobre muitas lacunas atuais: As redes de inovação sustentadas pela inteligência em nível superior trarão mais saúde no conceito moderno de mais adequada adaptação às condições de vida? Mais sobrevida com qualidade de vida? Mais prevenção? Que nova ética advirá necessária? Que novo profissionalismo médico surgirá?
Lembrando que novidades têm também seus aspectos negativos, qualquer reflexão não pode deixar de lado que por mais que a Medicina seja posta em hierarquia bem superior ao médico, o paciente antes de ser um objetivo primário e secundário científico da Medicina, é um ser humano que não pode prescindir do acolhimento de outro ser humano – como de um médico. Em outras palavras, a virtude da prudência supõe que boas intenções não deixam de ter incerteza, risco, acaso e consequências ainda desconhecidas. Por isso, otimismo com realismo!