A beira do leito não é exatamente uma externalidade para o médico, ele a ela pertence como parte do seu profissionalismo. É local de encontro com o paciente – também com familiar, demais profissionais da saúde e outros circunstantes ocasionais. Um encontro clássico diz respeito à visita ao paciente internado sob sua responsabilidade ou mesmo pode referir-se a tão somente uma interconsulta.
Tomando como exemplo o paciente clínico, numa visita hospitalar habitualmente o médico reúne impressões subjetivas manifestas pelo paciente, apreciações objetivas captadas diretamente do paciente e avaliações complementares. É sempre reconfortante quando, na evolução, há uma superposição favorável da tríade, comportamento que sustenta fortemente o que se convencionou chamar de boa evolução clínica. Quando esta conjugação de melhoras atinge certo nível – mais ou menos semelhante para situações clínicas análogas, mas com componentes individuais sempre a serem considerados- preenchem-se critérios para a alta hospitalar e prosseguimento por conduta ambulatorial.
A Bioética da Beira do leito interessa-se pelos fundamentos das fronteiras entre alta hospitalar e alta clínica. Parte-se do pensamento que há um valor social e uma validade clínica na necessidade de internação hospitalar para determinada circunstância de saúde que se associam a validades científicas. A integração valor social- validade clínica -validade científica fundamentam não somente o acolhimento ao sofrimento manifesto pelo paciente como também desejáveis influências no prognóstico.
O médico enxerga a conveniência da internação hospitalar de natureza clínica aplicando o princípio da Beneficência, em que métodos úteis e eficazes tão simples como observação de sinais vitais e tão complexos como administração de fármacos inovadores justificam a concentração da estratégia de conduta num ambiente multiprofissional e interdisciplinar.
Por outro lado, a internação hospitalar permite maior segurança quando as chances de adversidades ultrapassam um limite de morbidade em potencial. De certa forma, aplica-se o princípio da Não maleficência na justificativa da internação hospitalar, não necessariamente sob o ponto de vista qualitativo, mas em relação à redução de impactos danosos pelo reconhecimento e providências mais imediatas e eficientes.
Ademais, o princípio da Autonomia sustenta o direito do paciente ao exercício do consentimento livre e esclarecido. Deve ser lembrado que há ainda em jogo a Autonomia do médico e a Autonomia do sistema de saúde/instituição de saúde. A prática exibe combinações de sim e de não entre estas partes, o que muitas vezes desafia o cumprimento real da prudência e do zelo, alicerces pétreos da ética médica e onde a Bioética é fórum adequado para discussões, especialmente as que envolvem os conflitos gerados pro conflitos de interesse no campo da alocação de recursos associados a uma internação hospitalar.
Há muitas críticas acerca de um deslocamento excessivo do atendimento para o hospital, entendendo que consultas ambulatoriais ou mesmo domiciliares poderiam ser eficientes com menor custo. Creio que algumas fazem sentido, contudo, é complexo organizar critérios gerais de internação hospitalar para a gama de casos clínicos que exigem concentração rápida e mais profunda de informações diagnósticas e evolutivas de uma terapêutica instituída com brevidade em função das circunstâncias, sustentando o raciocínio clínico, ajustando tomadas de decisão, inclusive os esclarecimentos para o exercício do consentimento livre pelo paciente para a conduta.