Ser médico, estar médico, haver-se como médico. Regojizar-se pelo médico que o completa, lastimar-se pela profissão que escolheu. Sonhar com a aposentadoria, manter a rotina já podendo deixar de fazer. Usando uma metáfora bem brasileira e tradicional, o exercício da Medicina é uma cachaça, em seu sentido figurado de obsessão, paixão dominante. Embora haja a consciência que faz alguns males para si, o médico persiste no hábito. Evidentemente, esta consideração deve ser lida como subproduto do compromisso com uma dedicação profissional provocadora de tipos de estresses que costumam fazer o médico oscilar entre graus mais elevados e mais rebaixados de satisfação de ser médico, estar médico e haver-se como médico.
Uma outra metáfora foi usada pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger (1926-1999) comparando efeitos do estresse no ser humano a um incêndio num edifício: “… se você já presenciou um edifício queimando, você sabe que é uma visão aterradora. O que um dia foi uma estrutura vital, palpitante está agora deserto. Onde houve atividade, há, agora, somente, lembranças desintegradas de energia e de vida. Tijolos e concreto podem ter desaparecido; alguns esboços de janelas. De fato, o exterior pode aparentar intacto. Somente se você se arrisca a entrar é que é atingido pela força total da desolação…”. Esta é a descrição do burnout que abre o livro Burn-Out: The High Cost of Achievement, publicado em 1980, que já vinha sendo estudado pelo autor há cerca de 10 anos como uma síndrome que associa esgotamento emocional, despersonalização e ineficiência profissional.
Há evidências que a síndrome do burnout cresce entre o médicos, mais entre as médicas e com potencial de provocar mais taxas de erros profissionais e consequentemente queda da produtividade e elevação de custos com a saúde.
A Bioética da Beira do leito tem particular interesse sobre o reconhecimento de causas do burnout ligadas às condições de trabalho do médico, especialmente sobre providências que possam contribuir para o bem-estar do ser médico, estar médico e haver-se como médico.