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426- Autonomia precisa ser referida à Medicina (Parte1)

Prudência é compromisso com o futuro, zelo é compromisso com o presente. Seguir diretriz é compromisso com a forma. Paternalismo é adaptação ao modo de ver do médico, autonomia é adaptação ao modo próprio de ver do paciente.  O esclarecimento do médico é estímulo para o paciente reconhecer-se como receptor da conduta. Conhecer sobre adversidades possíveis é direito do paciente. Consentir ou não consentir com a recomendação anunciada tornou-se mandatório e muitos entendem que a anotação no prontuário do paciente é insuficiente, devendo o consentimento ser registrado em documento assinado pelo paciente.

O hospital é território do médico. Ele não precisa de autorização do paciente para entrar no quarto e fazer a visita. O médico utiliza um tempo nem sempre breve para captar fundamentos, interpretar resultados e organizar uma conduta. O paciente é hóspede no hospital e não costuma dispor do mesmo tempo para consentir-ou não.

Um aspecto do direito do paciente ao exercício da autonomia é a ambiguidade de uma recomendação com duas posições conflitantes esclarecidas como factíveis, sobre as quais o paciente não dispõe de elementos que o faça seguro do direcionamento a tomar. O médico não exige exatamente uma decisão, mas coloca no colo do paciente uma responsabilidade para a qual não se julga preparado.  Exemplifiquemos:

Médico- A sua valva aórtica precisa de uma intervenção.

Paciente- Durante os últimos anos fui alertado que um dia seria necessária.

Esposa do paciente- Então chegou a hora.

Médico- Mas não precisa ser realizada exatamente agora.

Paciente- Quando então doutor?

Médico- Nos próximos meses…

Esposa do paciente- Doutor, ele vai ficar ansioso enquanto não fizer. Pode ser logo?

Médico- Sim, o seu marido já preencheu os critérios para a indicação da intervenção.

Paciente- Mas doutor, sou eu quem tem que decidir, se agora ou depois?

Médico- Sim, pois não há urgência, o senhor pode programar de acordo com seus afazeres.

Paciente- Doutor, a intervenção tem risco?

Médico- Sim, baixo mas tem.

Paciente- Acho que vou, então, esperar, ver como as coisas evoluem.

Esposa do paciente- Você quer mesmo esperar?

Paciente- Prefiro.

Esposa do paciente- Doutor, esperar é perigoso?

Médico- Na maioria dos casos, não.

Paciente- Sou otimista.

Médico- Então, quando estiver disposto, retorne para agendarmos a intervenção.

Não é difícil imaginar como o casal saiu da consulta e a sequência de considerações, reconsiderações, efeitos da imaginação, aplicação da intuição,  receios da própria decisão, críticas ao médico, inclusive, cogitação de insegurança profissional.

O médico foi ético, mas frustrou o desejo habitual por uma maior objetividade de conduta. O paciente é quem deve dar a última palavra em situações eletivas desta natureza, assim, reza o consentimento livre e esclarecido. Um Sim-ou um Não-imediato faz parte… e como faz!

A minha experiência em ambulatório do SUS que convive com espaços de tempo longos entre consultas é que o paciente prefere uma totalidade de definição pelo médico para, então, dar a sua posição. Já em outros ambientes de atendimento, há uma diversidade de recepção sobre o médico solicitar ao paciente que selecione uma das condutas que lhe foram apresentadas.

Por isso, é essencial que reflexões sobre o princípio da autonomia sejam referidas não a uma vontade do médico de se eximir de responsabilidade transferindo-a ao paciente, mas ao respeito inter-humano às nuances de opções válidas baseadas nas evidências da Medicina.

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