A Bioética da Beira do leito entende que, em situações mais radicias de não consentimento pelo paciente há uma atitude médica ideal a ser cogitada e exigente de um certo treinamento. É a avaliação estética da situação, uma captura da ética além do conceito literal de valores, que subentende percepção, emoção e sentimento.
Há divergência entre filósofos se a apreciação perceptiva pode ser primária, ou seja, se tem condições de ocorrer isenta da influência da cognição, do impacto da movimentação provocada na memória. Creio que é difícil o médico não contaminar a visão perceptiva pelo ser médico que é (se tornou), vale dizer, pela reflexão dominada pelo raciocínio profissional, suas experiências e obrigações. Mas, certamente, há os mais sensitivos e os que, conscientes da necessidade, perseguem uma melhor compreensão da pluralidade humana pelo treino.
É difícil de jaleco e com carimbo no bolso com número do CRM nos comportarmos com maior grau sensitivo diante de um paciente sob nossa responsabilidade, como, por exemplo, nos permitimos captar de modo primário uma impressão, formular uma ideia, sentir emoção e gerar sentimento numa tranquilidade descompromissada em frente a uma pintura numa galeria de arte. Por isso, a dificuldade do equilíbrio entre cognição e estética na beira do leito.
É desejável buscar treinamento para ter a impressão e a imagem do comportamento de contraposição do paciente, captar a emoção que é desencadeada e sentir a agitação mental resultante que provoca um pensamento, na medida do possível, sem influência da cognição. Um passo-a-passo que se inicia de modo sensitivo, voltado para o entendimento da postura do paciente, aberto e tolerante, isento do rigor da deontológico que já desvia o pensamento para as consequências. É como se deixássemos nos tocar no sistema límbico sem passar pela córtex cerebral. Difícil para quem se formou em Medicina, mas qualquer garu de direcionamento é bem-vindo.
A capacitação a uma resposta estética com ênfase nas percepções sensoriais, emoções e sentimentos enriquece a relação médico-paciente, dá mais segurança ao médico para lidar com o subjetivo das interpretações – e assumir tomadas de decisão- fora da rotina dominada pela objetividade técnico-científica, assim ajustadas às peculiaridades humanas do caso. Poderíamos ter menos Medicina defensiva pela consciência de uma atitude correta para a circunstância (não negligente) e, por isso, destituída da sensação da necessidade de uma aprovação fora da relação médico-paciente. Basta a narrativa detalhada no prontuário do paciente – com a conotação de diário íntimo do paciente-, pois, a tomada de decisão que tem forte sustentação sensitiva desde o paciente, a ele pertence.
Quem sabe, o futuro da Bioética passe por este movimento de equilíbrio entre estética e cognição a ser praticado com virtude, pelo médico com senso apurado de auto-crítica e ilibada integridade profissional. Um ajuste de arte, um efeito do potencial moral associado à experiência estética sobre o cientificismo da Medicina baseada em evidência, especialmente quando a superioridade atribuível à tecnociência encontra objeção em preferências, desejos, objetivos e valores do paciente responsáveis pelo Não consentimento que tanto aflige o médico na beira do leito. Enfatizamos, um equilíbrio entre o rigor da emissão pelo médico das evidências científicas a serem consideradas e a abertura e a tolerância à recepção pela pluralidade da condição humana. Condição que requer diálogo, tempo e interpretação pela Bioética.
Ainda mais, quando o futuro aponta para a Medicina personalizada, a Medicina de precisão, a valorização das peculiaridades das próprias informações para gerar e sustentar a conduta para um paciente em particular, melhor se incluindo a consideração de emoções, sentimentos e percepções sensoriais.
Michel Foucault (1926-1984) ensinou que a estética da existência é a arte de viver como governo de sua própria vida. A Bioética preocupa-se com o modo como a Medicina deve ser aplicada quando esta governabilidade aponta para o não consentimento de uma recomendação médica beneficente. Razão para o médico melhor reconhecer e considerar o valor da estética em busca de segurança e legitimidade quando se sentir ameaçado em sua segurança profissional pela contraposição do paciente a sua recomendação criteriosa.