A beira do leito conjuga o técnico e o humano, valores e emoções, expectativas e realidades. É ecossistema onde o médico necessita utilizar sensibilidade moral em cada atendimento, vale dizer, estar em proximidade, ter atenção de perto aos acontecimentos, enfim, ser empático. Pois, mais do que um CID – uma doença habitando o corpo-, o médico lida com um ser humano- alguém com órgãos e sistemas funcionando anormalmente-, que vulnerável e plural em vários aspectos, reage com variadas emoções, mais calmas ou mais violentas.
Realidades peculiares, nuances de uma dada situação clínica, expressões de composições biográficas que podem ser ou não reconhecidas pelo médico assistente associam-se a desejos do paciente que resultam harmônicos ou em contradição com o centralismo da razão que domina habitualmente o ser médico. Ao mesmo tempo, o médico vê-se conectado a lógicas e a imperativos, sujeito a obediências a padrões de comportamento codificados, instado a incorporar desde a graduação e que impacta no nível da dedicação profissional, na reação pessoal a êxitos e frustrações, no grau de superposição de interesses com o paciente e na intensidade do controle de pontos de vista na relação médico-paciente.
A beira do leito assistencial contemporânea requer o exercício do consentimento pelo paciente, exigência de amparo à pessoa migrada da pesquisa clínica, e que, por isso, convive com a versão radical que representa a proteção da liberdade contra a violência do paternalismo, quando deveria significar, mais apropriadamente, respeito à pluralidade de valores possivelmente intervenientes em cada caso. A maioria das reações de não consentimento com esclarecimento comprovado não ocorre por desconfiança da qualidade da conduta do médico, mas, por um posicionamento divergente ligado a razões pessoais do paciente e isento de uma fundamentação tecnocientífica.
Mais comumente, o exercício do consentimento pelo paciente após ser esclarecido sobre a conduta recomendada – respeito ao princípio da autonomia- provoca uma interpretação reducionista pelo médico que a aproxima de uma categoria médica, do final de um fluxograma de conduta com forte sustentação cognitiva e a afasta do reconhecimento das emoções e dos sentimentos do paciente, porventura envolvidos na resposta. Afinal, as emoções são tradicionalmente pintadas como vieses em tomadas de decisão no contexto da Medicina, conceito que resulta transferido para o paciente, ou seja, há a expectativa que ele também decida de modo frio perante as responsabilidades com a solução dos próprios riscos à saúde e à vida. Por exemplo, numa circunstância em que um procedimento ou uma conduta de observação cuidadosa sejam cabíveis, a apresentação da alternativa ao paciente não deve ser se ele prefere ou uma ou outra – ele pode consentir com qualquer uma caso o médico seja incisivo numa delas-, mas, idealmente, como um ato de construção, se uma delas lhe encaixa melhor no momento.
Desta maneira, a beira do leito convive com as respostas Sim ou Não do paciente como divisor de águas em relação ao ponto do (não)equilíbrio entre estética (percepção, emoção e sentimento) e cognição. O ato afirmativo de consentir, especialmente se realizado sem idas-e-vindas privilegia a cultura médica, une objetivos e afina o princípio da beneficência com o da autonomia (cognição>estética). Mas, quando se dá um ato de não consentimento, surge a dificuldade, pois há a necessidade de uma abordagem profissional que não abdique do rigor dos argumentos propositivos, mas, inclua a tolerância para opiniões divergentes e a abertura para emoções e sentimentos (estética> cognição). A prática de uma flexibilidade de conotação perceptivo-sensorial em relação à identidade e ao poder do paciente como parte do processo de atenção a suas necessidades de saúde.
Há situações onde o exercício do paternalismo fraco- que não pode exercer coerção- a insistência sustentada por mais esclarecimentos e dedicação de tempo contribui para reverter o Não para o Sim de uma forma moralmente aceitável. Todavia, o paciente irredutível em seu não consentimento costuma gerar angústia no médico que sempre pensa e raciocina na dimensão da Medicina por ofício. Perante os habituais efeitos estressantes da impossibilidade de cumprimento de um organograma mental beneficente, percebe-se que o médico, em geral, não está treinado para se ver não aplicando o que está recomendado pela Medicina fundamentado numa atenção à percepção sensorial.
Exemplifiquemos com um paciente adulto jovem que é portador de uma doença desde a adolescência e que tem indicação para se submeter a um procedimento diagnóstico invasivo relevante para a caracterização do prognóstico. Ele se recusa, torna-se agressivo, exige alta hospitalar, nada parece demovê-lo. Um caso para alta a pedido, o cuidado para não representar um autoritarismo de cárcere privado em momento de inexistência de risco iminente de morte evitável. O problema é a medida da insistência pelo médico para que o paciente consinta e, não infrequente, há uma inter consulta à Psiquiatra mas se certificar que o paciente está capaz. É ocasião em que a presença de uma consultoria da Bioética faz-se vantajosa para ampliar a análise empírica, normativa e de razões, visando à segurança ética e legal.