A desejável integração da Ciência com o Humanismo na beira do leito brasileira pressupõe presença de um profissionalismo ético (pleonasmo?), esforços para acolhimento com foco na qualidade de vida e foco no respeito à pluralidade da condição humana. Trata-se do uso sem abuso da Medicina e da percepção com bom senso e clareza do significado de dignidade humana.
A complexidade das situações clínicas e suas muitas incertezas diagnósticas e evolutivas (naturais ou terapêuticas) está na raiz das dificuldades para se estabelecer fronteiras fixas entre zelo e negligência e entre prudência e imprudência. Embora existam fronteiras sólidas de fácil reconhecimento, a multiplicidade das combinações do como deve ser feita a condução perante infinitas composições mórbidas faz com que os limites imprecisos possam adquirir analogias com o pleomorfismo do líquido e do gasoso ajustáveis ao seu entorno.
Transbordamentos e espalhamentos de pensamentos e julgamentos sobre o valor beneficente dos cuidados na relação médico-paciente dificultam interpretações sobre a eticidade de estratégias recomendadas pela Medicina, aplicáveis à individualidade de cada paciente e, até mesmo, legitimadas pelo consentimento do paciente em vários níveis de de fato compreensão. Por isso, é imprescindível conjugar rigor técnico-científico, capacidade para abertura para desconhecimentos e imprevisibilidades e vocação para a tolerância a contraposições, vale dizer, o médico na beira do leito deve manifestar competências – que são treinadas- a respeito de conhecimento, habilidade e atitude.
Dizem que o médico costuma adquirir frieza profissional para poder conviver com o sofrimento do paciente e, assim, resguardar pleno discernimento sobre benefícios e malefícios dos métodos. Em consequência, muitos figuram como cobrir-se com uma armadura do tipo medieval para se proteger de sentimentalismos desviantes causados pela situação clínica. É considerado fator de preservação da apreciação crítica num ambiente de explosão de emoções – por exemplo, o médico não deve tratar de familiares próximos, pela impossibilidade de vestir a tal armadura bloqueante.
Contudo, não parece correto renegar o calor que advenha de uma relação entre seres humanos que pretendem atuações pró-vida, muitas vezes de resgate da morte. Não cabe ao médico tornar-se impermeável ao calor humano que se desprende da reação do paciente a sua circunstância clínica, porque a ciência é empacotada por papéis de insensibilidade, porque se entende que a eficiência metodológica dá imunidade para a aplicação a qualquer preço. O conhecimento corre o risco de ser avaliado como mais perigoso – e desumano- do que o desconhecimento- fundamento para a exigência moral do consentimento pelo paciente para aplicação.
Resulta que qualquer expressão de niilismo sentimental do médico carrega o potencial de liquefazer ou fazer evaporar o ser humano que precisa compreender o outro ser humano de quem está cuidando, sob pena de se comportar lamentavelmente como cego e surdo ao caráter social da Medicina. Desprezar os órgãos dos sentidos não combina com Medicina desde os tempos de Hipócrates.
Desta maneira, a simbolização de blindagem a influências nocivas advindas daquele que é o receptor da Medicina e vivencia desejos, preferências, objetos, valores e sentimentos precisa ser substituída pela de um filtro com poros quantum satis para temperar a frieza científica da concepção disciplinar de é para ser feito com o calor humano do o que deve ser feito proveniente da visão individual daquele paciente em questão. O absorvido é matéria-prima essencial para a qualidade dos diálogos esclarecedores e conciliatórios que são cotidianamente pretendidos.
A Bioética da Beira do leito entende que é fundamental que haja mediação pela sabedoria na Medicina contemporânea de constantes saberes modificados por evidências biológicas e tecnologias inovadoras, desenvolvimento acelerados pela globalização. Em outras palavras, que a labuta bate-estacas de qualidade do médico para gerar alicerces de excelência assistencial seja aspergida com devolutivas de afetos, inclusive e especialmente, daqueles que ele permitiu transpassar pelos poros do filtro de acolhimento desde o paciente.
O simbólico avental do médico mais do que um equipamento individual de proteção profissional pode sustentar a metáfora. É o filtro que avalia o quantum satis de permeação da afetividade na conexão com o paciente, na busca da mais coerente simetria horizontal circunstancial entre dois seres humanos no ecossistema da beira do leito.