A saúde é direito do cidadão e dever do Estado… E vontade do paciente- iniciativas para esclarecer sintomas, consentimento para aplicação de condutas, adesão ao prescrito. Não pode ser diferente. Pois na beira do leito onde coexistem sujeitos, egos e desejos e uma atmosfera de colonização moral, consciências atuam, umas com certo autoritarismo científico baseado em evidências confiáveis e outras reféns da própria vulnerabilidade ampliada pelas circunstâncias clínicas da enfermidade. A beira do leito representa um ecossistema complexo que, apesar de tudo, permite o desejável encontro de coerências de atitude perante contraposições entre a ciência que diz o que é de fato e o humanismo que almeja o que deveria ser. A Bioética da Beira do leito é útil neste sentido.
Vivenciar a beira do leito é logo apreender que nela é rotineiro o percurso por caminhos tão sinuosos quanto carentes de unanimidade talhados por expansões e limitações de recursos interprofissionais. O destino almejado é o benefício à saúde- reversão ou controle- cuidando-se para evitar danos, o que nem sempre é possível. Há que se dominar o mal que faz sofrer, não obstante, é preciso ter em mente a potencialidade da provocação de outros males que, previsíveis ou não, acontecem em aplicações absolutamente prudentes e zelosas dos métodos validados e indicados como úteis e eficazes na situação. Mais soluções disponíveis, mais adversidades consequentes para se preocupar.
Dominar a enfermidade pela Medicina ética é um poder do médico que ora viabiliza-se como soberania da clínica, ora como soberania da tecnologia, ora como soberania das diretrizes clínicas, para nos expressarmos numa abordagem essencialmente prática sobre a sucessão de forças vantajosas para a eficácia do exercício profissional. Em todos os momentos, está vigente o vigoroso poder representado pela soberania do paciente com capacidade para emitir autorizações e vetos. Na maioria dos casos, felizmente, a harmonia predomina entre os distintos domínios e as soberanias do médico e do paciente comungam uma tomada de decisão pelo objetivo comum e subscrevem os mesmos meios da Medicina. O desejo do paciente em sintonia com a do médico torna-se esperança que se transforma em fé do êxito prtendido. Mas situações de dissonância existem em graus variáveis e distintas realidades sobre o sentido da Medicina acentuam a complexidade da beira do leito.
Princípios éticos e valores culturais confrontam-se na beira do leito e requerem o entendimento pela prática do diálogo, o valor da troca virtuosa de ideias em meio a habituais desníveis de conhecimento. Perante o pluralismo moral e cultural, é essencial a força da boa-fé que sustenta a cooperação ativa. Contudo, a cultura médica costuma ser profissionalmente incorporada de um jeito que tende à imposição que estar ético exige aplicar todos os recursos disponíveis. Em outras palavras, a força das evidências científicas tende a apequenar posicionamentos da condição humana em domínios fora da Medicina diagnóstica, terapêutica e preventiva.
É como se houvesse um reducionismo a uma visão monolítica da técnico-ciência ligada à Medicina que domina o profissionalismo médico e tende a torná-lo infenso a direitos da cidadania, vale dizer, o paciente ter a sua autonomia respeitada pela participação ativa e livre no processo de decisão sobre a sua saúde.
Desde a segunda metade do século XX, avanços expressivos na consideração da palavra do paciente aconteceram e podem ser resumidos no termo consentimento livre e esclarecido, hierarquizado como pedágio indispensável para a aplicação da Medicina, salvo no iminente risco de morte evitável.
A Bioética da Beira do leito trabalha para a expansão do equilíbrio entre ciência e humanismo. Ela esforça-se pela difusão de uma cultura bioética que conscientize o médico do valor ético dos ajustes no uso de uma Medicina que organizada para ser aplicada de modo igual a todos clinicamente iguais reconhece a relevância da individualidade do paciente.