Parte do publicado na Revista da Associação Médica Brasileira Rev. Assoc. Med. Bras. vol.56 no.6 São Paulo 2010.
O leito é ponto de encontro clássico entre o paciente que o ocupa necessitado da medicina e o médico que o assiste, à sua beira, investido da autoridade advinda como representante local da medicina universal.
O simbolismo da beira do leito transcende às verdades do conhecimento científico, ele realça a sequência histórica das boas práticas médicas. Por isso, há grande valor nas atitudes de “anfitrião” e de ” hóspede” com aderência interpessoal a evidências validadas.
O sentido não literal da beira do leito abriga a competência do profissionalismo que associa racionalidade, competência, cuidar e compaixão. É nele onde se desenha o retrato falado da clínica como fiel expressão do que acontece além da fria objetividade dos métodos da medicina. É nele onde se valoriza o senso individual de qualidade de vida. É nele onde o raciocínio fisiopatológico dialoga com valores, expectativas e interesses do paciente.
O conceito que mais do que casos clínicos, a beira do leito lida com acasos clínicos por combinações infinitas de modalidade e intensidade de morbidades(2) abrange a variedade de interpretações pessoais envolvidas na relação médico-paciente. O exame do que ocorre com o corpo do paciente inclui o exame psicossocial. O processo de tomada de decisão suscita alinhamento do saber acumulado com expressões humanas da circunstância clínica analisada à beira do leito.
É pela beira do leito que o médico mede a extensão do distanciamento entre um padrão bibliográfico da medicina aplicável e a individualidade biográfica receptora do paciente/responsável/familiar. Utilidade e eficácia precisam tornar-se úteis e eficientes. É neste espaço que se aprende que o desnível de conhecimento médico-paciente não autoriza posturas rígidas de “dono da razão” ou de “tutela de domínio”. A sociedade aprende com os próprios médicos, percebe que doenças avançam e que sucessos terapêuticos têm limitações. Os pacientes têm direitos e cada um pode exercê-los ou, de modo simples, por uma postura “o que o médico decidir está bem decidido”, ou, de modo mais plural, personalizando ajustes e negações a controles do avanço mórbido e a habilitações em prol de bom-sucesso.
A Bioética da beira do leito enfatiza que atitude médico-dependente é mais do que atitude medicina-dependente. Distinguir a diferença contribui para dar legitimidade a pactos médico-pacientes, além de estimular o desenvolvimento de modelos de gestão da beira do leito que visem, por meio de uma vigilância contínua sobre atitudes, reduzir os conflitos na interação médico-paciente.