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PUBLICAÇÕES DESDE 2014

346- Copy-paste e efeito teflon

A distribuição de forças da heteronomia e da autonomia na relação médico-paciente robustece-se quando a beira do leito, tão ávida  de métodos quanto indecisa sobre resultados, arremessa uma questão clínica desde a beira do leito na direção do horizonte da pesquisa científica. É bumerangue que regressa com evidências assistencialmente aplicáveis (heteronomia à literatura).

No objetivo da prevenção de fatores de risco de doenças relacionados a estilo de vida, disponibiliza-se, assim, um copy que para ser de fato um princípio ativo e um bom princípio de mudanças precisa de um  paste  a ser editado de pessoa a pessoa (autonomia à adaptação). É do ser médico recomendar que o controle de qualidade dos laboratórios de pesquisa seja refletido no controle da qualidade de vida do paciente, um suceder de subjetividades e objetividades com dificuldades de provocar consensos e conjugado como eu posso aplicar, você quer que seja aplicado, nós devemos aplicar? Não falta o efeito teflon, a adesão ao benefício da Medicina nem sempre cola.

Há  dissociações entre o saber da academia que privilegia endpoints de beneficência com impessoalidade para a maioria e a cognição individual sobre resguardo da maleficência de hábitos de vida. Elas dificultam a desconstrução de causas comprovadas e, por isso, sonhos atuais preventivos dos médicos de acréscimo de vida aos anos e anos à vida não conseguem impedir futuros pesadelos sobre terminalidade da vida por pacientes.

A pesquisa clínica já acentuou a morbidade da gordura, do sal e do fumo e definiu estes sabores gratificantes são sabores patogênicos. Retirá-los deixa uma sensação que os sabores redentores da Medicina Preventiva são dissabores insuportáveis.

A condição subclínica é um prato cheio para alimentar o conceito que textos sobre prevenção para médio e longo prazos engasgam no imediatismo dos contextos de vida conforme sentidos pelo paciente. Desejar a adesão “goela a baixo” como se faz, facil e prazerosamente, à carne gordurosa ou à tragada do cigarro é nutrir vãs expectativas de saciedade, mesmo quando se exalta o azedo de ateroscleroses e metástases. O bem-estar não deseja abrir mão da agradável intimidade com o status quo sem sintomas, as orientações não resultam palatáveis numa percentual expressivo.

Se o desvelo com a condição subclínica é nobre na atuação do médico, por que a consecução é pobre pelo paciente? Uma resposta fundamenta-se nos arbítrios livres quanto ao significado de se sentir saudável apesar de o corpo ter um Código Internacional de Doenças (CID) subclínico. Muitos pacientes aceitam, no início, o ponto de vista da Medicina e, a seguir, escolhem não somente condenar a beneficência científica da prevenção, acusando-a de desmancha-prazeres, como também inocentar os vilões subclínicos argumentados.

O folclore sobre começar prevenção tem dia certo na semana — segunda-feira — ou semana certa no mês — a próxima — sinaliza os empecilhos da intenção. Sonhos da Medicina com o bem-estar futuro são reinterpretados pelo paciente à luz da memória de um passado de boa qualidade de vida, que nunca deixou de ser. A falta de vantagens imediatas é cúmplice não somente da inércia em colocar suas obrigações preventivas na sua própria agenda, como também da propensão a desmarcar as “reuniões” com a sua própria saúde.

Esses cancelamentos tão habituais no dia-a-dia de um alto executivo podem movimentar processos de auto-execução. Os endpoints de muitas pesquisas clínicas apresentados pelo médico ao paciente por ocasião das recomendações preventivas nem sempre provocam o impacto de endpoints de muitas vidas. O efeito teflon acontece, é da condição natureza humana. Fazer o quê?

Esse grau de conformismo com a autonomia do paciente, contudo, colide com o DNA de médico que promove a ideologia de drágeas corretoras de números laboratoriais e a convicção sobre as vantagens da combustão aeróbia pela ginástica de músculos e as desvantagens da combustão de cigarros. É patrimônio profissional que não se cansa de  procurar se antecipar aos limites da tolerância fisiopatológica aos fatores de risco.

Creio que mentalizar o paciente vivendo na contramão da sua prescrição clínica de redirecionamentos em prol da beneficência é razão forte para que se persigam táticas de adesão que colem melhor. A Bioética da Beira do leito pode cooperar com o médico para sensibilizar o paciente por meio de um estilo de linguagem que grude melhor sobre o estilo de vida do paciente. A tática é desgrudar de certos vieses magister dixit da formação médica e ir colando um álbum de figurinhas com a cara do paciente, reduzindo o impacto de medidas como desmedidas destoantes sobre o paciente.

Uma maior humanização na visão da biologia para determinada biografia  que minimiza o efeito teflon beneficia-se da expertise interdisciplinar, ampliando a eficiência do conjunto de mudanças, embora acresça complexidade operacional. Nutricionistas e professores de educação física, por exemplo, agregam pontos de adesão aprofundando os significados de cada ato e distinguindo formas de reduzir a sensação de incômodo, assim funcionando como alfaiates na execução e na manutenção, dando uma caída mais confortável do que as coleções prêt-à-porter das recomendações difusas.

O sentido de equipe contribui para elevar os percentuais de compliance à oportunidade de correções fisiopatológicas, na medida em que faz frente às barreiras do tão autonômico quanto autodestrutivo “não interessa à minha vida”. A experiência da equipe profissional dá bom tom sobre como melhor lidar com  reações adversas desconfortáveis, como o joelho que trava,  a terrível água na boca da leitura de cardápios e a rejeição às delícias de uma preguiça .

A pesquisa habitual valida a submissão do paciente à ideologia do manter-se saudável a despeito do avançar da idade, mas ela não ensina como sustentar a fé quando velhos — e prazerosos — hábitos de vida são trocados por novos — e perturbadores.

A Bioética da Beira do leito acumula evidências que a adesão a novos hábitos de vida é mais  facilmente promovida quando o paciente consegue vivenciar um certo graus de sentimento de culpa pelo não cumprimento. Ele fortalece uma consciência anti-efeito teflon. Seria como que uma interiorização conciliatória da responsabilidade perante a beneficência, sensibilidade à não-maleficência e direito à autonomia.

A disposição para compreender melhor a diferença entre corpo com doença e “saúde em adoecimento”, especialmente em situações assintomáticas, é um processo que precisa ser maturado desde as primeiras noções recebidas na Faculdade de Medicina. Pois o estudante para ser médico é instado a priorizar o aprendizado sobre o corpo — fonte maior de conhecimento —, com doença; as noções sobre como se dá a percepção pelo paciente-leigo (o estudante nunca deveria esquecer como raciocinava antes de cada novo afastamento de ser leigo), restringe-se, habitualmente, à anamnese convencional. A pedagógica objetividade sobre a doença distancia o doente e assim é como ensinam os livros de texto, mais patologia e menos humanização. Já no exercício profissional, ele descobre,  que nem tudo há formas distintas de como o que reluz é padrão-ouro. O bem-estar expresso na sua orientação preventiva pode não estar valorizado da mesma forma na perspectiva do seu paciente sobre estar de bem com a sua vida. Ele percebe que a responsabilidade ética admite conflitos e dilemas mesmo sobre condutas de prevenção “classe I”. Porque o espelho da aplicação da prevenção está longe de ser plano, o impensável distorce-se em dispensável. Dada essa característica de reflexão, cresce a imagem da Bioética como apoio ao ser médico.

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