Dr. Hipócrates estava sob um plátano na ilha e Cós pensando como iria propor o sigilo médico, selecionando algumas palavras-chave, quando foi abordado por um jovem a quem ensinara a nova sem remuneração e nem compromisso escrito. Após os cumprimentos de praxe, o jovem externou a sua ideia e um diálogo aconteceu.
O blog Bioamigo teve acesso aos depoimentos de Esculápio, Hígia e Panacea a Apolo médico sobre a conversa considerada profética.
-Dr. Hipócrates, estava pensando em criar um Comitê de Bioética.
-Ah é? Bio o quê?
-Ética, o que o senhor está pretendendo para os médicos.
-Claro, e para que serviria?
– Sabe, os vulneráveis…
– Entendo… Mas será que não estaríamos nos adiantando na história?
– Como assim?
– Há pouquíssimos médicos e nem estão organizados, eu, por exemplo, deveria ter o CRM número 1, mas não criaram ainda.
– O senhor merece mesmo.
– E enfermeiro, quando ele existirá? Talvez demore alguns séculos, para não falar em hospital, gestor, processo contra médico.
– Mas Dr. Hipócrates, já não deveríamos nos preparar?
-Você conhece algum conflito de um médico com o seu doente, ouviu alguma reclamação?
– Não.
-Pois é, nem sistema de saúde ainda temos, aliás nem quero mais estar aqui quando começarem a pensar.
– Mas um dia teremos.
– Concordo, mas como será?
– Espero que ele privilegie a integralidade, a universalidade e a equidade.
-Maravilha! A saúde para todos. Mas precisamos, então, já iniciar uma poupança, despesas e grandes não faltarão!
-O senhor tem razão. Mas a Bioética seria uma contribuição da nossa Grécia.
– Um presente de grego…
-Beneficiará a relação médico-paciente, poderá fazer com que as pessoas se sintam mais amparadas quando perdem a saúde.
-Aliás, nem sabemos direito o que é saúde, não temos ainda um órgão que construa uma definição.
-O princípio fundamental da Bioética que eu penso seria o seu pensamento que não devemos fazer mal ao paciente.
-Certo, mas como ele começa?
– Deixe-me ver… Ah sim! Se bem não puder fazer, que não faça mal.
– Temos condição hoje de oferecer benefício ao paciente?
– Talvez um ou outro…
– Você conta nos dedos de uma única mão. Por falar nisso, você reparou como as sanguessugas estão gordinhas? Nenhuma desempregada!
– Mas contribuir para que não se faça mal já seria um trabalho e tanto da Bioética.
-Na falta do bem as pessoas exigem alguma coisa, acreditam em milagres.
– É verdade, tenho perdido alguns doentes para um colega que tem sempre uma solução no bolso.
-Desde que recomendei não fazer mal, tenho pensado se fiz certo. Temo se nós levarmos esta questão da não maleficência para um nível normativo organizado, iremos inibir que alguém venha a criar a pesquisa clínica. E aí como ficaria a indústria das poções, bálsamos e unguentos?
-Não entendi.
– A pesquisa clínica será um dia inventada para prever o bem e o mal uma poção a ser dada ao paciente.
-Legal, bem articulado com o seu princípio, Dr. Hipócrates.
-Acontece que a tal da pesquisa clínica vai provocar algum mal no que eles irão chamar de voluntário de pesquisa.
-Acho que estou captando… O médico irá provocar um mal numa pessoa para o bem dela. Mas, como o senhor disse, é preciso usar o conceito inteiro, se bem não podemos fazer…
-Hum, interessante. Aí que não fica legal quando houver o bem.
-O senhor se lembra do editorial do Oraculus Jornal of Medicine? Ele cita exatamente, que o benefício passará a ser aplicado em nome de uma tal de evidência.
-Bem lembrado, evidência será um instrumento da Ética. Por isso, tenho que reformular o princípio na segunda edição do Juramento.
-Ah é?
-Acho que a conclusão deste editorial foi que não haverá benefício sem algum grau de malefício, e irá ser necessário criar uma bula.
-Foi mesmo.
– Sim, deixe-me pensar… Algo como… Se bem puder fazer, que não faça mal em excesso a ele.
-Perfeito! Dr. Hipocrates, o senhor está entrando no espírito da Bioética.
-Acho que a conclusão deste editorial foi que não haverá benefício sem algum grau de malefício, e irá ser necessário criar uma bula.
-O autor chamou esta situação de iatrogenia.
-Nome adequado, irá fazer sucesso. À medida que aumentarem os benefícios, o termo não maleficência ficará cada vez mais inaplicável.
-Bem pensado. Em vez de não, talvez menor, a menor maleficência.
-Vamos então fazer uma atualização do Juramento. Sem pressa, a primeira formatura de médicos na frente da família orgulhosa vai demorar.
– Não é por acaso que o senhor é o Pai da Medicina
-A minha filha vai viajar muito, a ilha de Cós será pequena para ela.
– Ela terá muitos filhos que nunca esquecerão o nome do avô.
-Oxalá isto aconteça mesmo. Irei acrescentar o termo segurança. Veja se fica bom… Se bem não puder fazer que não faça mal, mas quando puder fazer o bem, preocupe-se com a segurança, cuide para que haja o menor mal possível.
-Beleza, o Dr. Hipócrates sempre à frente do seu tempo.
-Como é mesmo o nome do que você quer criar?
-Bioética.
– Agora, até que estou gostando.
-Mais uma coisinha, o senhor acha que o paciente não teria que ter o direito de opinar…
-Calma, meu filho, vamos devagar que o andor é de barro.
-Desculpe.
-Eu mal consegui retirar a Medicina na mão dos deuses e já perçebo que o espaço divino foi rapidamente preenchido…
-Novos deuses?
-Sim, os médicos estão se achando deuses…
-Hummmm!
– Não admitem ser desobedecidos pelo paciente.
-Ótimo!
-Ótimo?
-Sim, um argumento excelente a favor da Bioética, pode levar uns 20 séculos mas a Bioética há de ser uma realidade! O senhor já imaginou um paciente dizendo ao médico que não aceita o tratamento?
– Você está sonhando… Mas, pode ser uma ponte para o futuro. ponte da ilha de Cós para o mundo, passando pelos Estados Unidos da América.
-Estados Unidos da América?
-É, um pais que será tão famoso quanto a Grécia é hoje.
-Desculpe-me, mas como é mesmo o seu nome?
– Van Rensselaer Potter, senhor, levo muita fé que os meus genes transmitirão as minhas ideias aos meus tatatatatataranetos.
Pano rápido!