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307- Dentro da estatística, fora da satisfação

Sincero e antipático. Pouca compaixão e muita insensibilidade. Workaholic e perfeccionista.  Eis o Dr. TD, 32 anos de formado, especialista reconhecido pelos pares.

Dr. TD está sempre com a mão no botão micrométrico ajustando o aspecto técnico, assim faz -e assim ensina- pela vivência com situações clínicas de alto risco cirúrgico. Para ele, conhecimento, habilidade e recursos estruturais é o que importam para maximizar as chances de sucesso clínico de um tratamento perante a coleção de possibilidades de adversidades biológicas. Ah sim! Claro, tudo isto refere-se a um paciente, mas, qual é mesmo o seu objetivo? Este orgulho por um trabalho grandioso observado desde os tempos da faculdade inclui o reforço de nunca ter estado do”outro lado do balcão”. Palavras cidadãs desarticuladas da sua visão profissional de momento são sempre evitadas -nem mais pensadas são- porque as entende dispensável cosmético enganador, maquiagem da verdade,  expor de modo arranjado com o auxílio do photoshop desonestidade mesmo. Risco e prognóstico do procedimento são hierarquizados com o status de uma ciência que se não bem exata é precisa e que não admite operações de subtração no planejamento e na execução.

Recentemente, ele fez uma segunda opinião e após uma dedicação de cerca de 50 minutos adiantou a gravidade da situação clínica, advertiu para a necessidade imperiosa e urgente de um procedimento invasivo e alertou para as vantagens operacionais de uma equipe experiente apoiada numa infra-estrutura qualificada. Enviou um relatório para o médico da primeira opinião, omitindo, como de praxe, a última observação. O Dr. TD valoriza a competência, é exigente da mesma, pretende-se num nível superior da profissão, mas procura conviver com os colegas isento de ares de superioridade profissional.

A família do paciente desconsiderou a execução do procedimento pelo Dr. TD, alegando falta de cobertura pela saúde complementar e carência de recursos financeiros para uma internação particular. Pelo encaminhamento-padrão do seu convênio, o paciente foi operado em sua cidade de 300 mil habitantes e faleceu no pós-operatório imediato. Família inconformada, conformidade com estatísticas globais, desconformidade de certos passos do atendimento com o mentalizado pelo Dr. TD como vantajoso para o prognóstico.

Dias depois, um membro da família do paciente veio conversar com o Dr. TD. Informou que a equipe cirúrgica e os funcionários do hospital disseram que fizeram “de tudo” mas, infelizmente, a gravidade do caso prejudicou, insistiram que Medicina tem limites e nada faltou quanto a recursos. O familiar lamentou que o convênio não tivesse autorizado o procedimento no hospital onde o Dr. TD  e sua equipe atendiam, inclusive, entendia que o valor da mensalidade era compatível com custos que presumia que seriam maiores.

O Dr. TD interrompeu-o e sem preâmbulos e sem nenhuma mudança na expressão facial resumiu o que suas sinapses cerebrais ativas a todo vapor produziam: – “O enterro saiu mais barato...”. O familiar atônito com a frase tão curta em letras quanto extensa em tormento, sentindo-se ferido pela ironia, saiu imediatamente da linha de fogo, um corpo fugidio sem rumo com a mente congestionada pelo misto da sensação de raiva e de culpa.

O Dr. TD magoou o familiar, mas a sua verbalização estava, na realidade, opinião arraigada, apontada para os descompassos entre o ideal, o possível e o de fato realizado na Saúde. O comentário hostil do Dr. TD  foi o modo de desabafar a tensa revolta com o que para ele seria mais um exemplo das desigualdades de recursos de pessoal e de infra-estrutura influentes no prognóstico a que a sociedade tem que se sujeitar em realizações de atos médicos complexos.

O Dr. TD tinha para si que a equipe do local não estaria preparada para enfrentar o grande desafio terapêutico do caso e rejeitava qualquer autoapreciação de estar sendo preconceituoso. Talvez por isso e até inconscientemente, nem dera oportunidade para que acontecesse o questionamento do familiar: “- Doutor, se tivesse sido operado em outro hospital…”, certamente, o que movera a procura pelo Dr. TD após o acontecido, então, impedido pela abrupta manifestação desconcertante e cortante do diálogo.

Caso ocorresse a pergunta, entretanto, o Dr. TD teria tapado a boca direta da mente e aberto a boca “eticamente correto”, que não teria elementos objetivos para responder porque não participara do ato em si, que, caso tivessem dúvidas sobre o modo com que o paciente fora cuidado havia órgãos autorizados para análise, etc… etc… O Dr. TD desejava-se um sabonete para limpar as sujeiras que via na saúde e, ao mesmo tempo, sabia ensaboar-se para as respostas a perguntas capciosas.

Assim pensando com um viés elitista tanto no pessoal com a conotação de seleção dos melhores como no social com a de poucos detendo um poder, manifestando-se de outra maneira por ofício e ainda cioso que apurações de eventuais imperícias e imprudências esbarram em variáveis com admissíveis interpretações contraditórias, o Dr. TD, há muito, estava convencido que era a sucessão dos resultados de um médico/equipe que deveria determinar o nível da reputação na comunidade. Tinha a convicção que os pontos da curva de aprendizado – entendida como ininterrupta até a aposentadoria- eram de difícil distinção para balizar um sinal verde para a circunstância de necessidade. Cada profissional deveria ter a voz da autorização ou da contensão desde a própria consciência. E como dispõe o Código de Ética médica vigente, assumir responsabilidade pelo que praticou.

Apesar da calibragem difícil, o Dr. TD conhecia as histórias de muitos ousados que foram encontrando o seu caminho apesar das limitações de formação e de muitos covardes que não se expunham apesar da boa formação. Técnica e personalidade formavam uma dupla sui generis, era a sua síntese.

O Dr. TD já tivera inúmeras oportunidades de expressar as contraposições acerca do “ponto maduro” profissional. Nenhuma tentativa de matematização no número de procedimentos a partir de um mínimo obrigatório lhe parecia adequada. As estatísticas de resultado soavam melhor, era simpático (pelo menos nisso) à ideia de avaliação nos últimos dois a três anos, descartando as anteriores. Achava, inclusive, que os valores obtidos deveriam se tornar um apêndice do número de CRM, não exatamente para fins de juízos formais dos pares e de gestão, mas, que valessem no âmbito da relação médico-paciente, como dados à disposição do paciente para efeito de confiança, mesmo quando não há possibilidade de livre escolha.

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