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271- Bioética e a corrida de consentimentos

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O QUE PODE SIGNIFICAR RECUSA AO CONSENTIMENTO Crédito: http://downsizedc.org/blog/our-predictions-about-the-obamacare-congame

O consentimento livre e esclarecido é manifestação do paciente imprescindível para a aplicação ética de métodos em Medicina. Ele dá um tom de autenticidade e de responsabilidade. Esta dupla de requisitos nos faz lembrar que outros consentimentos acontecem no processo de tomada de decisão antes do final e formal dado pelo paciente capaz. Neste sentido, o termo consentir está mais para um significado de assentir (voluntário).

Permitir é um sinônimo de consentir. Contudo, a Bioética da Beira do leito faz uma distinção para facilitar o cotidiano. Assim, consentir (assentir) admite um sim ou um não, enquanto que permitir não espera uma recusa. O paciente consente ao médico realizar uma ressonância magnética com uso de contraste e, depois, apenas permite que técnicos executem as etapas do procedimento, respondendo afirmativamente a educados dá licença que precisamos.

Imaginemos a pós-graduação da residência médica. Vamos perceber que o residente lida com expressões de consentimento e de não consentimento antes de vir a solicitar o do paciente. Elas adaptariam melhor a outros sinônimos como aprovação e autorização, a fim de representar um consentimento do estado da arte que não é exatamente livre pois idealmente sob supervisão. Jogo de palavras? Não, aproveitamento da riqueza do idioma e origem filológica.

O nosso residente apresenta o caso, considera  etiopatogenias e fisiopatologias, formula hipóteses diagnósticas, sugere procedimentos para expansão diagnóstica e para a terapêutica. Uma sequência entremeada pela participação da supervisão – assistente, preceptor-, representando uma responsabilidade que formata o seu conhecimento numa autoridade, e dos demais residentes da “panela”, ávidos por  se verem tradição e renovação na beira do leito. Parece familiar?  Ótimo, chance de estar conseguindo o consentimento ao que está sendo exposto.

Afirmações, hipóteses, proposições, interpretações do residente passam por filtros de poros finos dos circunstantes nomeados como revisão dos exames físico e complementares, expansão do raciocínio clínico, fundamentação em evidências, acervo da literatura e experiência local, verificação de disponibilidade institucional e do sistema de saúde, alinhamento com código de ética profissional e legislação vigente.

Ao longo da “visita resolutiva” à beira do leito, ouvir-se-á uma série de aprovação/desaprovação e de autorização/não autorização. Formam-se, assim, as definições de recomendação- única ou opções- a ser apresentada ao paciente para a solicitação do consentimento. Não foi uma sequência livre. A sucessão de ajustes deu-se sob uma forma de não-liberdade teórica para o residente comprometido com o profissionalismo ético. O paciente, ao contrário, terá uma liberdade prática para reagir aos elementos desta maneira resultantes que lhe serão apresentados, inclusive não se satisfazer com as informações e solicitar complementações. Em outras palavras, aprovação e autorização (no âmbito da Medicina) precedem o consentimento e a permissão (no âmbito humano), quatro termos sinônimos, mas que dão a entender atos distintos.

O desfecho é cuidar para que o paciente fique esclarecido sobre hipóteses de trabalho que contém verdades teóricas, passíveis em maior ou menor escala de se tornarem certezas em resultados, quer reversores, quer paliativos.

Pela obediência pedagógica, o nosso residente acerca-se do benefício/não malefício da Medicina para o paciente, que, por sua vez, não está sujeito a uma hierarquia, a uma predeterminação de persuasão.

Decisão

Portanto, “filmado” de cima, um processo de tomada de decisão contém muitas ocasiões de consentimentos e não consentimentos, com maior ou menor liberdade de manifestação, e  que para  mais adequada diferenciação poderiam emprestar significados distintos aos sinônimos consentir, permitir, aprovar, autorizar, para a liberação de cuidados com as necessidades da saúde.

A autonomia é um direito do paciente- também do médico numa escala distinta. Quando o residente “passa a si próprio” pelos filtros acima mencionados, amoldando atributos do pensamento e qualidades da vontade pela supervisão moral e ética, ele faz a proposição e solicita o consentimento livre e esclarecido pelo paciente com segurança interior que nutre uma resposta afirmativa e que inspira e sustenta os diálogos num contexto de paternalismo fraco.

O que se observa é que o exercício do direito à autonomia pelo paciente fica até despercebido na maioria dos casos. Parte deste cenário acontece quando médico e paciente ajustam uma sintonia de valores ao início de atendimento e de vontades no transcurso do mesmo. Ou seja, mais do que um tudo ou nada, o direito à autonomia pelo paciente deve ser entendido como um progressivo uso de lápis e borracha interpessoal e dentro do papel de gramatura ética e legal. Um desenho com traços de consentimento, permissão, aprovação e autorização.

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