Vivemos era de enorme fluxo de informação que se liga à expansão da interpessoalidade digital. A relação médico-paciente não pode ignorar e ficar de fora desta transformação social. Utilizando uma expressão de Alvin Toffler (1928-2016), a comunicação digital está na crista da onda e como a inovação e o clássico devem conviver em muitas situações, diríamos que as metamorfoses contemporâneas da relação médico-paciente não podem perder o bonde da história.
Não vamos mais de bonde ver o médico no seu consultório, aliás, nem precisamos mais ir em muitas circunstâncias e não necessariamente orientações na dimensão tele há o cometimento de imprudência e de negligência levando a danos ao paciente com responsabilização do médico.
Não necessariamente é dupla de advérbios que traz cautela para o lado do sim e para o lado do não, e, assim, requer ampla reflexão do contexto em que é utilizado, sendo que neste específico da ética médica, é fato que a Bioética pode ajudar bastante.
Ponto essencial é analisar os vários aspectos do novo espaço médico-paciente realizada por meio eletrônico (virtual), utilizando sistemas, dispositivos ou processos que dão representatividade a informações ou a grandezas físicas por meio de caracteres, números, ou sinais de valores discretos (digital), ágil, comunicativo, resolutivo e, principalmente, documentativo.
Estes atributos mencionados soam positivos, contudo, geram apreensão ética porque o Código de Ética Médica vigente não sustenta a eticidade da comunicação médico-paciente digital, muito embora não a repudie. O ponto mais relevante é a ausência do exame direto do paciente, o atendimento à distância. Neste contexto, há o Art. 37 do Código de Ética Médica vigente: É vedado ao médico prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento, com o Parágrafo único: O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina e há o item n) consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa ou a distância dos Critérios no uso das redes sociais, inserido na Resolução CFM 1974/11. http://portal.cfm.org.br/publicidademedica/arquivos/cfm1974_11.pdf.
A conexão médico-paciente é tradicionalmente exercida nos chamados espaços íntimo – o do exame físico- e pessoal – da anamnese, do diálogo orientador. Há uma aproximação profissional consentida em que os interlocutores estão numa distância entre si de até cerca de 1 metro. O milagre digital possibilita médico e paciente comunicar-se lendo um ao outro nesta mesma distância, embora sabe lá a quantos Km de distanciamento. O chamado social da distância interpessoal entre cerca de 1 a 3 metros ganhou, assim, novo significado a reboque do termo rede social, assim como a intocável equação matemática: .
Médico e paciente tão longe e tão perto admite vários sentidos e aquele de cunho digital deve ser analisado pelos acima citados ângulos positivos: ágil, comunicativo, resolutivo e documentativo. Evidentemente, não pode faltar o respeito aleis e a normas éticas, como também o respeito ao direito à autonomia bipartite entre o médico e o paciente. O sigilo do exposto um ao outro – um fato, um diagnóstico interliga-se à privacidade. Então, o ponto essencial é que haja consentimento quanto à interlocução, que fique claro que nenhuma revelação o médico fará a terceiros, salvo algumas poucas exceções. O que estiver simbolizado como conteúdo do prontuário é propriedade do paciente e, como tal, só poderá ser passado a outrem por expressa autorização do paciente.
Esta disposição ética não parece estar sob risco em conexões digitais que proporcionem agilidade, comunicação documentada e orientação com sensatez. Há que se dar um crédito de confiança a respeito de boas práticas quando médico e paciente exercem o direito de autonomia, consentem em se conectarem por meio de um software para smartphone que permite troca de mensagens de texto, vídeos, fotos e áudios de modo instantâneo através de conexão à internet.
Nestes primórdios em que a prática acelera mais do que as apreciações sobre a eticidade da mesma, é natural que se pense tradicionalmente para a emissão de um visto ético de entrada para ultrapassar fronteiras rumo a um desconhecido. Contudo, a tradição é olhar para trás, é preservar a solidez da construção moral da Medicina de tantos séculos, contudo, deve-se lembrar que o tradicional de hoje é a soma de sucessivos ajustes a “novos futuros”. A conjunção de bom senso e de consentimento permite uma visão de sinal verde para a conexão médico-paciente digital. Muitos enxergarão o amarelo e outros o vermelho.
Se pensarmos em uma corrida contra o tempo e nos valermos do clássico tartaruga versus coelho, a analogia que cabe é o desafio quem chega primeiro em casa. Tudo indica que quem admite sinal verde para a conexão digital médico-paciente a compara à tartaruga por mais paradoxal que seja em termos de agilidade, enquanto que os do sinal vermelho a relacionam ao coelho que correrá já vencido.
A Bioética da Beira do leito reforça que o problema de muitos usos inovadores não são eles em si, mas os abusos que corrompem a moralidade.