
O médico ajusta o estado da arte da Medicina com a devida prudência à individualidade no processo de tomada de decisão. Obtido o consentimento sinal verde do paciente, o zelo com o decidido é imperativo. O sucesso é variável em função do caráter biológico dos focos de atenção às necessidades de saúde do paciente.
Perante insucesso, em seu amplo espectro, uma pergunta imediata é: Houve erro profissional? É questão levantada mais comumente em situação em que o atendimento exige recursos materiais e humanos nas dependências de um hospital, proximidade multiprofissional e competências interdisciplinares. Os passos diagnósticos e terapêuticos são guiados e supervisionados de uma maneira que costuma valer-se de uma postura de permissão e obediência do paciente que se entende embutida no processo de consentimento. Recorde-se que a beira do leito faz uma distinção entre as palavras sinônimos consentimento- possibilidade de dizer sim ou não – e permissão- improbabilidade de dizer não.
O erro profissional pode ser mentalizado como uma doença – com etiopatogenia, diagnóstico, tratamento e prognóstico que inclui óbito numa alta posição no ranking de causa-mortis. http://www.bmj.com/content/353/bmj.i2139
Nesta mesma linha de pensamento, o grau do comprometimento do paciente pode ser mentalizado como um remédio. Aplicar-se-ia com mais conveniência para o atendimento ambulatorial. Alto comprometimento do paciente equivaleria à utilidade e à eficácia da chamada classe I de recomendação da Medicina. Poder-se-ia dizer que o sucesso almejado depende fortemente da vontade do paciente em cumprir o consentido na frente do médico tendo a consciência de ser o cuidador de si mesmo longe de uma estrutura de apoio como a hospitalar.
Evidentemente, a coordenação médica e os retornos para reanálises e reorientações ficam extremamente facilitados e beneficiados pelo comprometimento do paciente com a estratégia traçada e consentida.
Cogitar sobre comprometimento do paciente como remédio redutor de danos – inclusive óbito- para o mesmo traz a interessante apreciação: a ausência danosa é passível de um juízo de erro profissional. Implicaria em dois cenários: o da orientação pelo médico e o da aplicação pelo paciente.
Comecemos pela segunda conjuntura. Até que ponto o médico deve ser arrolado porque o paciente não cumpriu a “lição de casa”. É análise que encerra altíssimo grau de subjetivismo. Há o descumprimento consciente da desconformidade e há aquele que se perde no terreno movediço das dificuldades cognitivas que entrava o alcance dos objetivos e abstém do alerta para as adversidades. É situação onde fica sempre no ar a dúvida se o paciente foi de fato bem esclarecido ou se as recomendações desconsideraram desejos e preferências do paciente e até mesmo impossibilidades de aplicação.
Estas incertezas constituem ganchos para a primeira conjuntura. Conhecê-los traz lições: a) o silêncio sobre o valor do comprometimento é imprudente; b) a eficiência no esclarecimento para o paciente dos intervenientes para a tomada de decisão a ser consentida, idealmente, não deve resultar refém de um tempo predeterminado para diálogo; c) todo esforço para compatibilizar recomendação consentida e aderência é bem-vindo; d) o registro em prontuário sobre as várias nuances do consentimento é salvaguarda contra acusações de má-fé pelo paciente do tipo não “fui informado”.
A Bioética constitui fórum competente para discussões sobre os re-enfoques da Medicina sob os pontos de vista do paciente e o real engajamento do mesmo nas condutas legitimadas por ajustes assim centrados. Elas auxiliam a firmar eticidade às pontes entre autonomia e paternalismo fraco (aquele que insiste mas não coage) e reconhecer quando se atinge a fronteira de um indesejável paternalismo forte.