A letra C destaca-se no dia-a-dia do médico contemporâneo. Dois trios são essenciais: caneta, carimbo e celular e conhecimento científico, comprometimento com caso e código condutor.
O último componente citado diz respeito ao Código de Ética Médica. Cumpri-lo faz parte dos deveres embutidos no número do CRM de cada médico. Ele é documento com prazo de validade, com sólido eixo condutor e cuja renovação periódica significa mais conservações de artigos do que inclusões inéditas.
A beira do leito gera fatos. A bancada da pesquisa também. A sociedade movimenta-se constantemente. A experiência em consultoria em Bioética revela que as decorrentes combinações de direcionamentos provocam constante necessidade de orientação de conformidade de conduta com artigos do Código de Ética Médica. Ou seja, cada individualidade de ocorrência é potencial de provocação à rigidez de certos princípios e do desafio à conveniência de exercícios de flexibilidade.
Alguns escapes à rijeza preferencial de aplicação do Código de Ética Médica na beira do leito estão explícitos por ressalvas sobre certas previsibilidades que admitem maior ou menor grau de fixação dos limites. É fácil, por exemplo, promover a quebra do sigilo por dever legal, pois é regulamentada. Difícil, na verdade, é fundamentar a revelação por justa causa. O iminente risco de morte desobriga o médico do consentimento do paciente, mas, até que ponto um grau de hipopotassemia que traz suposições de ocorrência de arritmia fatal é suficiente para tratar alguém em greve de fome? Recorde-se o art. 26 do Código de Ética Médica vigente– É vedado ao médico deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz fisica e mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente de morte, tratá-la. Qual base profissional fundamenta negar acesso do paciente ao próprio prontuário para evitar riscos ao mesmo? (art. 88- É vedado ao médico negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros). Quem será que pode ser admitido como este misterioso terceiro do alcance ético da relação médico-paciente?
A minuciosidade do input fatual é essência do encontro médico-paciente envolvido num clima de conflito. Dissecações técnicas e morais do mobilizado em nome da Medicina e interdisciplinaridades fornecem matéria prima para moldar deliberações de máxima atenção a pluralidades tendo como um dos guias o texto regulatório do Código de Ética Médica vigente. O consultor em Bioética precisa conhecer o momento clínico em relação à compatibilidade com o estado da arte e articulá-lo com movimentos precedentes ao conflito e com as perspectivas de futuro. Apriorismos habitualmente reconhecidos precisam passar por filtros ajustados à eticidade de cada circunstância.
Observa-se crescente variedade de apreciações do comportamento do médico pelo paciente/família em particular e pela sociedade em geral. Expressivo percentual de contrariedades, desarmonias e insatisfações eclodidas na beira do leito é resolvido, felizmente, pela adstrita interpessoalidade médico-paciente interessada nos esclarecimentos e aberta ao diálogo. No complemento que permanece com instabilidades há forte dependência a obstáculos à compreensão de motivos classificáveis como não desrespeitadores da Ética causada por posturas utilitaristas do paciente sob alta influência das frustrações às expectativas de direcionamentos da evolução clínica.
Os desenhos e redesenhos de atitudes da beira do leito são interdependências que compõem a construção diagnóstica prudente e a aplicação terapêutica zelosa. Se o feito não tem volta, quer um procedimento realizado, quer um fármaco já atuante, dispor-se a redirecionamentos que animam reviravoltas por uma constante atenção “lápis e borracha” é atitude estimulada pela leitura do Código de Ética Médica. Na verdade, o que cada médico faz – deveria, pelo menos- são releituras subsequentes do Código com olhos cada vez mais sensíveis a suas experiências na beira do leito. Ou seja, a interpretação do caput É vedado ao médico é influenciada ao longo da prática profissional pela coleção diversificada dos casos.
A Bioética da Beira do leito esforça-se para apoiar, especialmente os jovens, na sedimentação do valor do Código de Ética Médica, dispondo-se a atuar como óculos que facilitem tornar as leituras dos artigos sábias releituras determinadas pelo amadurecimento do ser médico adquirido pela vivência profissional. É feedback que faz as barreiras mentais da informação de vedação transformarem-se em acessos ao mais alto grau de profissionalismo técnico-científico e humano na assistência, pesquisa e docência. E, por isso, fornecedores de mais alguns C para a coletânea: compartilhamento, coleguismo, crítica construtiva, consciência confortável e coragem cautelosa.