Nem o Juramento de Hipócrates, nem o Código de Ética Médica vigente contém a palavra cura. Não devemos, então, considerar a cura um objetivo primário na aplicação de métodos diagnósticos e terapêuticos? Mas não seria razoável pensar que mais progresso da Medicina deveria significar mais curas?
Cada especialidade médica lida ao seu modo com o termo cura na avaliação do prognóstico e na realização terapêutica das doenças em suas áreas de atuação. Uma drenagem de abcesso na pele, a antibioticoterapia para uma faringite purulenta, a hidratação perante uma perda de água temporária são exemplos de adequação do emprego de uma qualificação de cura. As possibilidades afins são, contudo, minoria na beira do leito.
Então, a maioria dos benefícios disponíveis em Medicina proporciona utilidade e eficácia destituída de efeitos de fato curativos? O tema é complexo e exige clareza sobre o conceito de cura.
É notório que médicos de distintas especialidades mostram hesitações para falar de cura com seus pacientes e estes, dependendo do diagnóstico, também comportam-se com reservas ao questionar seus médicos sobre momentos evolutivos de suas doenças, incluindo o alcance da cura.
Sobrevida e qualidade de vida dominam a comunicação médico-paciente sobre prognóstico. Diálogos sobre prós e contras de métodos não costumam focar em favorecimentos ou adversidades à cura, exatamente. Eles compõem o compromisso com o empenho pelo melhor da Medicina, com conjecturas sobre melhores resultados. A cura não é formalmente garantida. O ” doutor foi ficar bom?” não representa necessariamente visão de cura.
Vivemos uma época em que os próprios pacientes almejando a cura entendem que intervenções para resolução da enfermidade admitem na verdade o significado de cuidar de. A cura de determinada nosologia pode restringir-se tão-somente a uma figura de linguagem. Fala-se em cura clínica, cura funcional, cura com base em tempo determinado por estatísticas. A adjetivação reflete a impossibilidade da certeza de resolução definitiva, pois há sempre chance de manutenções de lesões em órgãos, incompletudes de correção de sistemas e obscuridades aleartadas pela vivência e pela literatura que desaconselham uma pureza de uso do termo cura.
Eliminação, remissão, recidiva é trio que habita zonas cinzentas do raciocínio fisiopatológico e clínico. A eliminação pode ser total ou parcial, temporária ou definitiva. Mesmo diagnóstico tempos depois pode ser expressão de outro episódio semelhante – certas infecções por exemplo- ou de fim de período de remissão e ponto de partida de recidiva- doenças cardíacas, pulmonares, hepáticas, oncológicas. Há situações onde o leigo já está bem ciente que não há como deixar certos diagnósticos apenas como história patológica pregressa, que quando não ocupa o espaço de diagnóstico principal será sempre vistos como “atuais” comorbidades.
O mal controlado num nível de visão física modelada por forças sociais e psicológicas e proporcionando boa qualidade de vida, quem sabe nunca mais venha a se manifestar e prejudicar a longevidade. A contenção que pode ser suposta por certas condutas farmacológicas ou não e apoiadas em validades bem evidenciadas parece ser o que se pode considerar mais próximo de uma significação de cura para a maioria das doenças, no âmbito da conexão Medicina-médico-paciente. Em outras palavras, curável está mais para o pensamento do que para a prática.
Há subjetividades e objetividades na sustentação de algumas afirmações possíveis de cura. Há as situações em que é o próprio paciente que após única consulta convence-se que a conduta seguida o curou, afinal os sintomas desapareceram, o vigor voltou e sentir-se ótimo lhe soa sinônimo de cura. Nem dá a notícia evolutiva para o médico… Há outras situações onde a subjetividade é importante, mas acrescem números e imagens que comprovam a eliminação do mal em questão.
De acordo com modelos estatísticos – universais ou da própria vivência-, médicos decidem se devem emitir a palavra cura para o paciente. Uma atitude empática – e simpática- e ao mesmo tempo cautelosa utilizada por médicos é dizer ao paciente: “… Desta você está curado, cuide-se para que não aconteça de novo…” . Algo como a cura do episódio e não da sustentação etiopatogênica. Evidentemente, nem todas circunstâncias bem acolhem tal modalidade de comunicação.
A admissibilidade de cura é baseada num composto que inclui a visão do paciente acerca de aspectos qualitativos e quantitativos de seus incômodos- com alto grau de individualidade que compromete generalizações-, a visão do médico fundamentada no estado da arte – nem sempre alinhada com a do paciente- e as perspectivas sobre qualidade de vida daí para a frente – a tornarem-se ou não realidades.
Fica sempre a questão: Até que ponto sequela em outro órgão ou sistema invalida o uso do termo cura para o diagnóstico principal eliminado.