O médico não deve aplicar o recomendado sem expresso consentimento do paciente, estaria sendo paternalista e, assim, transgredindo o direito à autonomia, salvo em certas situações previstas etica e legalmente.
O médico deve atuar com um jeito profissionalmente carinhoso e visando ao bem do paciente, algo como lembrando uma atitude paternal.
Não creio que estas nuances a respeito de linguagem -paternalista/paternal- sejam excludentes. Em outras palavras, muitos pacientes entendem bem-vinda e desejada um estímulo à autonomia oferecido de modo paternal – preservação de participar ativamente de decisões sobre a própria saúde aconselhado por um profissional que lembra uma figura paterna disposta a compreender e a ajudar-, especialmente quando se sentem em queda livre de vulnerabilidade e almejam agarrar-se num corrimão e perceber que uma rede de proteção foi esticada.
Para atuar com um jeito paternal, o médico deve estar vivamente imbuído do sentimento de beneficiar de modo técnico-científico e com respeito humano, sabendo que é mais experiente no assunto, que pretende viabilizar a mais validada chance de sucesso, mas que também não deve exceder limites e postar-se numa atitude impositiva-coercitiva, apenas pela razão.
Evidentemente, o traço afetivo consanguíneo entre pai e filho não é exatamente superponível a de uma relação médico-paciente, mas, guardadas as devidas proporções, embates entre “moral objetiva” – regras de comportamento ditadas pela sociedade- e “moral subjetiva”- própria consciência-dependente- assemelham-se quando a intenção pelo bem convive com desníveis de conhecimento e de expertise entre as partes.
É interessante notar, neste contexto, que é uma heteronomia -Código de Ética- que afirma o direito do paciente à autonomia. Claro, não poderia ser diferente. Leis, regras, códigos são produzidos pela sociedade para obediência dos cidadãos e de profissionais especificamente, e, de tempos em tempos, surgem modificações, atualizações ditadas por novas percepções. O primeiro Código de Ética Médica do Brasil, denominado de Código de Moral Médica (1929) orientava para a heteronomia a respeito do paciente: Artigo 4º- O médico, em suas relações com o enfermo, procurará tolerar seus caprichos e fraquezas enquanto não se oponham às exigências do tratamento, nem exerçam uma influencia nociva ao curso da afecção. Foi cerca de meio século depois que o o sentido da autonomia do paciente surgiu na redação do artigo 24º do Código Brasileiro de Deontologia Médica de 1984: É vedado ao médico efetuar, salvo diante de urgência ou emergência, qualquer ato médico sem o consentimento prévio do paciente ou de seu responsável.
Retornemos à magia da linguagem. No tão necessário quanto cheio de dúvidas e contradições aprendizado do certo versus errado, pode-se começar com uma afirmação dominante na sociedade – não mentirás, por exemplo-, mas é essencial que ela seja subjetivamente incorporada, que o eu concorde de fato com ele, ou seja, que algo inicialmente impositivo de fora para dentro perca qualquer tom coercitivo e desenvolva um fim por si próprio- não minto porque penso desta maneira, estou plenamente convencido e obrigo-me a tal, apesar das oportunidades em contrário, aliás apreciaria muito se ninguém mentisse.
O jovem médico aprende Ética Médica, aprende e reaprende, pois a Deontologia não pode ser estática ao lidar com aspectos morais de uma sociedade que evolui. Ele não pode dispensar uma orientação heteronômica do Conselho Federal de Medicina para que honre o seu número de CRM.
Atualmente, o recém-formado recebe uma comunicação coercitiva no Código de Ética Médica: O senhor está proibido de!. Ele vai para a beira do leito e pratica o inverso: senhor paciente, permite-se que exerça a autonomia.
OK, obteve-se a finalidade, mas o essencial, é que a atitude seja movida pelo eu próprio assim entendo, não é que faço somente para não ser penalizado. O É vedado ao médico é antigo no Brasil, mas ele começou timidamente (Quadro), até se tornar o caput atual de 118 artigos do Código de Ética Médica.
Sim, temos 118 proibições a cumprir, sob pena de estarmos cometendo uma infração ética, inclusive conflitantes entre si: É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte (art.31), ao mesmo tempo que é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente (art.32), exigindo uma atuação da Bioética.
O jovem médico necessita rapidamente desvencilhar-se do paternalístico é vedado, substituí-lo por assim julgo que é correto para poder exercer livre de amarras externas e preso a compromissos consigo próprio o benefício técnico-científico com segurança biológica. Assim, haverá, sem intermediários, o saudável clima de paternal autonomia.