Você já vivenciou a dúvida de qual botão apertar no quadro perante uma nova tarefa? O verde ou o vermelho?
Convivendo com médicos há cinco décadas, observei que muitos hesitam, apertam o vermelho num primeiro momento e, só subsequentemente, dispõem-se a direcionar-se ao verde.
É como se houvesse uma fase de grande dúvida com suposições de ser uma fraude intelectual, receios de ser “desmascarado”, a seguir superada pela irrupção da auto-imagem positiva que ficara momentaneamente encoberta por -admite-se- resquícios de uma cobrança por altas expectativas de sucesso pelos responsáveis pela educação durante a infância/adolescência. Eu já me vi neste espelho.
Um exercício moral permanente do médico costuma estar embutido na dúvida: “… Estarei evitando males tanto quanto possível?…“
A Não Maleficência intuída desde que Hipócrates (460ac-370ac) afastou a Medicina dos desígnios dos deuses pretendeu dar contornos humanos à Medicina: “… Se não puder fazer um bem, pelo menos não faça um mal…”.
Cada progresso científico aplicado pelo médico para benefício do paciente carrega consigo o potencial de provocar algum tipo de mal. A segurança biológica para o paciente tornou-se pedágio obrigatório no caminho das estratégias diagnósticas e terapêuticas validadas e aplicáveis segundo critérios cada vez mais sistematizados e que incluem a descrição de inútil, ineficaz e danoso para a circunstância clínica.
A Medicina dispõe-se entre os ofícios que para aprender é fazendo que se aprende. Há um processo de habilitação que se mostra altamente dinâmico. A organização mental de hoje para várias tomadas de decisão na beira do leito pode não ser exatamente a de ontem e talvez não seja a de amanhã.
Atividades novas são recorrentes na vida de um médico: o vislumbre de uma oportunidade em outro posto de trabalho, o planejamento clínico sob fundamentos recém modificados, a diversificação de uma técnica, a designação para uma comissão, o convite para colaborar numa difusão para leigos.
Elas têm o potencial de provocar apreensão no médico pelo risco de ser mal sucedido, o que inclui acarretar danos para o paciente, para o colega, para o sistema de saúde: “… Estou capacitado a assumir a responsabilidade?…”. É cenário de vulnerabilidade em que argumentos e contra-argumentos sobre permissões e entraves invadem a mente e desafiam a coragem: “… Devo prosseguir apesar dos sentimentos de dúvida?…”. “… Mas como saberei se não me arriscar?…”. “… E se provoco consequencias danosas para o paciente?…”
Temeridades à parte, situações desta natureza costumam internalizar agonismos e antagonismos. Representante do primeiro é o Narcisismo benigno e do segundo é a Síndrome do Impostor.
É essencial que o médico conte com o agonismo chamado Narcisismo benigno conforme exposto por Erich Fromm (1900-1980). A sobrevivência profissional, saber-se capaz e identificado com a ética, aplicar a energia psíquica para obtenção de objetivos perfeitamente justificados, acreditar em si e caminhar rumo ao sucesso requerem acreditar na sua imagem como um médico que pode cuidar do paciente dentro das suas competências sem nenhuma presunção de onisciência.
Não creio que algum médico que exerça o seu trabalho com diligente equilíbrio entre esforço pessoal e demandas careça de uma autoimagem positiva, sintetizada no Eu posso! Uma admiração necessária, que ao mesmo tempo estimula e restringe o médico aos limites de um mundo real para si, com boa fé e sensível a críticas, por isso um aspecto benigno do narcisismo. O anjinho que sopra no ouvido do médico Vá em frente, você não é um impostor!
Acontece que outro anjinho pode estar dizendo no outro ouvido Não faça isso, você é um impostor! Você não é capaz! Logo será desmascarado!
A síndrome do impostor foi descrita em mulheres por Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, em 1978, e subsequentemente estendida aos homens. Refere-se a um auto-conceito mais comum em pessoas bem sucedidas com educação rígida e alto nível de cobrança sobre expectativas. Um pedágio de autocrítica a ser superado.
Ocorre um sentimento que ele próprio é uma fraude intelectual, que foi sorte da última vez, que não se repetirá, que o que faz “não é nada demais”, apesar de ter informações ao contrário. Ele tomará algumas providências para evitar ser considerado uma fraude, pode investir no charme, pode evitar demonstrar suas habilidades porque receia que serão negadas por outros e assim se retrai.
Saber que ela existe, trabalhar firmemente pensamentos automáticos sobre ser uma falsidade, não ser inteligente ou criativo suficiente, entender que a realidade pode ser diferente dos mesmos são movimentos para lidar com a síndrome do impostor.
Consultorias em Bioética mostraram-me que graus distintos de narcisismo benigno e do fenômeno do impostor movem ou imobilizam médicos, especialmente fora da zona de conforto.
É importante ter mente que a coexistência da dupla no médico contribui para que ele seja tão beneficente/não maleficente quanto possível.