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188- Olá doutor, quem lhe tecla é o seu paciente que…

doctor_phone_with_stethoscope_case-r6b3c9a15a0024daa814c27498d7517e5_80cuj_8byvr_324Prontuário do paciente, receitas médicas e requisições de exames em que impressoras resolvem o problema da letra de médico e captura de resultados de exame no site do Laboratório são jovens habitantes do ecossistema da relação médico-paciente.  Aplicativos  diligentes sustentam a difusão e a portabilidade do conhecimento médico. Há uma atmosfera eletrônica oxigenando a comunicação em Saúde que reduz poluições visuais e sonoras.

A digitação expande-se com naturalidade nas novas gerações trazendo novas ambientações de encontro interpessoal  que incluem os ares estimulantes  da conexão médico-paciente.

Uma questão é recorrente  em aulas e reuniões sobre Bioética: uma interlocução via eletrônica entre médico e paciente ofende a Ética Médica? Ela me faz lembrar que o Brasil está no oitavo Código de Ética Médica e que aquele vigente no dia da minha formatura continha normatizações que sofreram modificações ao longo do meu caminho para a aposentadoria, razão para três atualizações num prazo de 45 anos.

Costumo discutir o tema supondo um encontro entre o médico e o paciente cada um tendo à mão um aplicativo de mensagem instalado em seus smartphones que possibilita uma conexão em segundos e uma rápida e produtiva troca de informações sobre necessidades de saúde. Considero inicialmente que houve o estabelecimento de premissas eticamente positivas como um consentimento mútuo de utilização deste  modo de comunicação, um sistema de processamento que atesta autenticidade quanto aos interlocutores e a conscientização que o exposto está dentro do conceito do sigilo profissional. Menciono, ademais, o quadro abaixo.

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A seguir, passo a desenvolver um exercício de mentalização de momentos habituais da relação médico-paciente. Amenizo a sobrecarga cognitiva imaginando Hipócrates  conectado com Apolo, Esculápio, Hígea e Panacea e com quem ensinava esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão. 

1- Fazer uma consulta médica: Evidentemente não cabe. O presencial é fundamental. Olho clínico, olhar de relance, olho no olho, uso dos órgãos dos sentidos para anamnese, inspeção, palpação e  ausculta exigem uma distância pessoal- na anamnese- e uma distância íntima- no exame físico-. Nem pensar numa distância infinita de um aplicativo de eletrônico.

2- Continuidade pós-consulta médica: A tradicional consulta médica não termina, contudo, literalmente, quando o médico permanece no ambulatório e o paciente vai embora com recomendações, necessidades de tomada de decisão, solicitações de “dar notícia” sobre a evolução, afora comunicar-se se preciso for por uma intercorrência, por um agravamento. Há um período pós-consulta onde facilidades de interlocução entre o médico e o paciente são bem-vindas mesmo numa distância infinita e por meio de modernidades como servidor http, link, nuvem, etc… que a maioria não sabe exatamente o que são, mas, na hora da sede, quem é que deseja saber a composição da água?

Facilidade em Medicina exige responsabilidade profissional sobre o processo de dispor da vantagem e a perspectiva da boa-fé, da validade científica e da visão de um ser humano cuidando de outro ser humano. Uma chamada para a Bioética!

A Bioética, ao revolucionar a plataforma ética da relação médico-paciente, determinou que todo esforço deve ser feito para qualificar a responsabilidade profissional, a Beneficência, a Não maleficência (Segurança), a Autonomia, a Prudência e o Zelo. Isto implica que facilitações do encontro médico-paciente devem ser direcionadas não somente para tomadas de decisões como também para a aplicação de ajustes em função das individualidades de expressão clínica -um novo sintoma- e do modo de evolução pós-tratamento – uma adversidade ao uso de medicamento.

Ajuste na conduta é termo essencial da Ética Médica em função da Medicina como a arte da incerteza e a ciência da probabilidade. A presteza do mesmo qualifica-se na emissão e na recepção da comunicação interpessoal médico-paciente. Ajustar é educar e educar-se, assim, todo instrumento de comunicação que alimenta a educação é uma sala de aula.

Quais são as opções que temos para uma conexão pró-ajustes? Um retorno à presença do médico, que cada vez mais  exige  o uso de um tempo que não se dispõe mais como antigamente. Um telefonema que cada vez mais afasta-se do aparelho fixo e dirige-se para o móvel. A conversa por telefone fixo tem a vantagem da presença do médico em seu local de trabalho, acesso ao prontuário do paciente, mas limita horários, enquanto que o celular  tem o potencial de “achar” o médico a qualquer hora, embora associe-se a possibilidades de inconveniências como um momento inadequado para que o médico dê a devida atenção, concentre-se na questão que surge inesperadamente e puxe pela memória do caso, além de não permitir a documentação da troca de palavras e a necessária privacidade, pois a conversa “imediatamente exigida” poderá acontecer na presença de outra pessoa, obviamente, com  riscos de quebra do sigilo médico.

3- Continuidade pós-visita hospitalar: O clássico é o médico passar visita, após o que a enfermagem e mais profissionais da saúde prestam os cuidados. Numa necessidade, é o “hospital”  que entra em contato com o médico. Dúvidas? O paciente anota para a próxima visita. Manifestações clínicas passam pela triagem da enfermagem para telefonar ou não para o médico. É visível como o hábito eletrônico fora da saúde cada vez mais tem stimulado o paciente a se dirigir diretamente ao médico.

De fato, extensões da visita hospitalar ocorrem via celular em frequência crescente. Confesso que no início não gostei, não estava acostumado, mas logo percebi o valor humano e técnico do diálogo com a fonte da queixa e a possibilidade de resolução com mais eficiência. Afinal, se desejamos a utilidade e a eficácia da Beneficência, a segurança da Não maleficência, o respeito à Autonomia do paciente e a máxima atenção à prudência e ao zelo, porque não facilitar a sua consecução tendo o máximo de informações possíveis, inclusive aquelas que acontecem de modo não presencial e prontificam uma pró-atividade para ajustes.

Na verdade, no caso da internação hospitalar, a responsabilidade do médico assistente é 24 horas, portanto a chamada visita médica é um momento tão-somente, uma fração de tempo habitualmente pequena em relação ao atendimento das necessidades de saúde. Em outras palavras, a continuidade não presencial dá dimensão ética ao intervalo de tempo entre duas visitas médicas.

4- Orientação eventual:  Não creio que  uso do possessivo meu irá acabar na relação médico-paciente, apesar de tudo que vem acontecendo em relação à fidelização.

Persiste a percepção do meu médico e do meu paciente, que  direciona para o contato quando ocorre alguma novidade. Esta apreciação de “posse” é fundamental para haja uma conexão com ambos à vontade perante a necessidade.

Há várias situações em que a palavra do médico facilitada no curto prazo- instantaneidade mesmo- é orientadora capital em prol do bem e contra o mal. Exemplo é a conjectura do uso de automedicação pelo paciente. Ele poderia ser endossado- ou não- pelo médico caso houvesse uma conexão fácil. Válidas presunções clínicas determinadas pela abertura do leque de hipóteses diagnósticas pelo médico podem resultar numa orientação para atendimento em Pronto Socorro. A automedicação poderia ser desastrosa.

Neste exercício de futurologia- não tão longínqua- entre o médico e o paciente, parece-me claro que conexões eletrônicas  como aplicativo de mensagem que possam facilitar encontros não presenciais, podem ser classificáveis como eticamente corretas. Não pude encontrar desrespeitos a  nenhum artigo do Código de Ética Médica pelo uso de “pombos-correios” eletrônicos, por mais que se possa dar asas à imaginação.

Observo que atitudes assim representadas, podem ser favoráveis ao benefício, à prudência, ao zelo e ao exercício da autonomia, e ainda podem contribuir para a evitação de danos. Como qualquer comunicação, há o que se deve teclar e o que não se deve teclar, a disposição ao diálogo por escrito, a evitação de ambiguidade do exposto, o valor de poder ser um texto armazenado, a cautela com o sigilo.

Evidentemente, a certeza quanto ao proveito na relação médico-paciente é questão do tempo, em seus vários sentidos a respeito do valor de gastá-lo na medida certa a favor de realizações e contra ilusões: tempo necessário para rever informações sobre o paciente, a fim de que respostas do médico solicitado contemplem um mínimo obrigatório de conhecimento do passado do paciente, tempo para refletir sobre conveniências e inconveniências de uma orientação não presencial a respeito de queixas inéditas daquele paciente, tempo para avaliações “em campo” sobre o uso do método intercessor eletrônico, e, muito importante, tempo para que as autoridades eleitas pelos próprios médicos para bem conduzir a Ética médica brasileira discutam sobre inovações eletrônicas no campo da comunicação interpessoal e consequente emissão de palavra oficial.

Mas aqui entre nós, qual paciente não gostaria de ter o médico “no bolso” para conexão imediata à necessidade, para enviar uma mensagem? Nós médicos, porque nos sentimos mais à vontade para trocar mensagens com colegas, não estamos cada vez mais nos valendo do “coleguismo eletrônico” quando temos nossos próprios problemas de saúde? Se o médico  já se adapta e valoriza, se a sociedade já está acostumada a uma troca de mensagem eletrônica, parece-me que logo haverá uma gradativa e natural incorporação de um diálogo eletrônico  com  formatação  respeitante da Ética médica à rotina da relação médico-paciente.

Olá doutor,  quem lhe tecla é o seu paciente que…

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