O exame do CREMESP elegantemente fixado no Dia do Médico inclui questões sobre Bioética. Avaliar este saber no estratégica etapa entre o final da formação do estudante de Medicina e o início da prática como médico, ao lado de disciplinas clássicas, representa forte reconhecimento do seu valor na relação médico-paciente-Medicina-instituição de saúde-sistema de saúde.
É essencial conhecer os fundamentos da Bioética para lidar mais adequadamente com o mundo real da beira do leito. Pois é nela onde os necessários reducionismos pedagógicos reencontram suas origens plurais. O que não falta na beira do leito são circunstâncias clínicas, humanas e de infra-estrutura diversificadas à exaustão. E a Bioética é tanto mais útil quanto mais as combinações fogem da rotina “de livro”.
Pensar Bioética na beira do leito beneficia-se de um roteiro relativamente simples de ser incorporado por quem lá atua, independente da sua especialidade. Ele orienta sobre as informações a serem captadas segundo as vantagens da interdisciplinaridade dentro e fora dos saberes da Saúde.
O quadro resume as 4 modalidades de informação para quem tem interesse em obtê-las, processá-las e ajustá-las às boas práticas.
1- Não há como deliberar na beira do leito pretendendo o apoio da Bioética sem uma sólida sustentação dos aspectos clínicos envolvidos.
Assim, num caso de paciente Testemunha de Jeová é preciso apreciar o potencial de ocorrência de anemia com critério de transfusão de sangue. Num caso de neoplasia inoperável, é essencial repassar os critérios sobre o diagnóstico, sobre as impossibilidades terapêuticas observadas, sobre opções éticas de cuidados e em face do prognóstico. Num caso de adversidade grave a um procedimento, é fundamental as análises retrospectiva dos passos dados e prospectiva acerca da utilidades e eficácias corretivas.
Há momentos passados, presentes e futuros nas informações clínicas. Antes de uma tomada de decisão, para dar um início ou proceder a uma continuidade, prevalecem informações clínicas ligadas à Prudência que foca o futuro num embate entre história natural da doença, potencial de benefício para modificá-la positivamente e potencial de riscos de ocorrências danosas.
Após a tomada de decisão prevalecem as informações clínicas associadas ao Zelo na aplicação deste já agora passado decidido, segundo as boas práticas do presente, aquele mundo de respeito a doses de medicamentos, táticas cirúrgicas, estratégias preventivas, etc…etc…etc…
A prática desta etapa contribui para dar clareza quer ao tecnicamente desejável para ser praticado no futuro próximo, quer às falhas da execução passada. No âmbito retrospectivo, vale a distinção apropriada a respeito de eventuais imprudências, negligências e imperícias e no âmbito prospectivo, cabe o exercício das antecipações de efeitos para fundamentar prós e contras a serem apresentados ao paciente visando ao consentimento livre e esclarecido.
Em suma, este primeiro item aflora o valor do pensamento forjado na Bioética para o desenvolvimento do raciocínio sobrea s informações clínicas em prol das habilidades na arte da aplicação da ciência na beira do leito.
2- O desenvolvimento da atenção aos cuidados com a saúde inclui preferências dos seres humanos envolvidos. Paciente, familiar e médico expressam-nas com graus de racionalidade e de emotividade que formam uma história do atendimento. Em respeito ao Princípio da Autonomia, o paciente capaz tem o direito de participar ativamente das resoluções sobre suas necessidades de saúde e expressar consentimento ou objeção. Já preferências do familiar do paciente capaz devem ser apreciadas, todavia, influências na tomada de decisão devem ser, idealmente, indiretas, através dos efeitos no paciente. Cabe ao médico ter a visão ampla das consequências do atendimento das preferências do paciente/familiar e apreciar o quanto percebe eticamente possível flexibilizar as próprias preferências profissionais, mais racionais.
Graus de ajustes entre cientificidade e humanismo resultam ou não possíveis. Perante divergências, a Bioética ajuda como intercessor para maximizar a compatibilização entre o artigo 31- É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte e o artigo 32- É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente do Código de Ética Médica vigente.
Em suma, para este segundo item, a Bioética contribui para a promoção de um “acordo de grupo” quando discordâncias entre seres humanos envolvidos em tomadas de decisão na beira do leito.
3- A qualidade de vida sobressai como um vigoroso objetivo da beira do leito. Complexa e dinâmica, ela costuma ser vista como uma curva ascendente, descendente ou de estabilidade na história clínica do paciente, quer natural doença-dependente, quer sob efeito da Medicina. Conhecer pontos reais já percorridos por esta curva, avaliar o atual e mentalizar futuros possíveis cooperam para aplicação da Prudência na tomada de decisão. A Bioética contribui para harmonizar a visão clínica do médico a respeito da capacidade de conviver com a enfermidade com a individual do paciente centrada em suas percepções de vivência.
Contrapontos são comuns pela pressuposição de prejuízo para atendimento a oportunidades e pela sensação de não mais pertencer e de não mais tornar-se no contexto de expectativas até então promissoras. Um deles diz respeito a restrições, inclusive proibições, recomendadas para certos estilos de vida que exigem algum tipo de sobrecarga e que são mal aceitos pelo paciente e que ampliam a interferência sobre a qualidade de vida por meio das frustrações e decorrentes tristezas. Resultantes como obediências com sentimento de revolta pelo paciente, desobediências pelo livre arbítrio e aplicações de métodos terapêuticos indicados tão-somente em função de desejada qualidade de vida pelo paciente embutem uma série de atritos entre a Beneficência e a Segurança, que podem ser minimizados pela prática da Bioética.
A Bioética pode favorecer um sentido de equilíbrio entre a tradicional e sólida relação de confiança na relação médico-paciente, que tende a a uma decisão de “cumplicidade” em meio a riscos que o paciente conscientemente prefere correr em prol do seu entendimento de qualidade de vida, com a relação de confiança frágil da atualidade com suposição constante de um contencioso a qualquer momento a reboque de eventos danosos. É aquela figura dos 2 anjinhos, um em cada ouvido sugerindo práticas opostas, que ilustra o valor da Bioética para um direcionamento de composição com nível razoável entre acolhimento ao paciente e preservação profissional.
Em suma, para este terceiro item, vale o mais conceitual mencionado para preferências acrescido da maior especificidade dada pela ideia de qualidade de vida.
4- Os aspectos contextuais são fartos num Brasil pluri-étnico e multicultural com peculiaridades sócio-econômicas mescladas num imenso território. Dissintonias entre emissão e recepção da comunicação, desconformidades da necessidade com a disponibilidade e heterogeneidades no entendimento do significado de benefício e de dano são acontecimentos cujos manejos ganham proveito pela Bioética.
Ambulatório- enfermaria- pronto-socorro, eletividade-urgência-emergência, momento diagnóstico- momento terapêutico- momento preventivo são interdependências que provocam inúmeras combinações de contextualidade, cada uma delas compondo um mundo de sentidos possíveis de tomadas de decisão, cada qual tendo de lidar com próprios aspectos clínicos, de preferências e de qualidade de vida.
Em suma, para este quarto item, é alto o significado de uma Bioética “verde-amarela”, que, evidentemente sensível à globalização e estimuladora da excelência nos cuidados com saúde, frequente as beiras do leito compreendendo e respeitando nossos múltiplos “sotaques”.